segunda-feira, julho 21, 2014

Serenamente.

Anna Pavlova, photographer

Dia após dia
Serenamente
Embalo-me
nas águas calmas
da minha alma
Mergulho
no espírito da maré
Renasço
na ondulação do vento.

domingo, julho 06, 2014

A memória de ti...

MM e JP


A memória de ti calma e antiga
Habita os meus caminhos solitários
Enquanto o acaso vão me oferece os vários
Rostos da hora inimiga

Nem terror nem lágrimas nem tempo
Me separarão de ti
Que moras para além do vento.



Sophia de Mello Breyner Andresen,

  in “Mar Novo” 
(Assírio & Alvim)



JP 
(17/04/1955-20/04/2014)

sexta-feira, maio 30, 2014

Para além do Horizonte

Diz-me do horizonte que
não estás perdido
na flor que colheste
no olhar que deitaste na
mão que estendeste

Diz-me que a solidão
não é vida para ser vivida
que o medo não é para ser sentido
que a dor não te rebela o coração.

Diz-me que o sol
brilha no teu olhar
que a tua pele sente a sensação
no pulsar das flores em botão.

Diz-me que na tua alma de criança
brilha a lembrança de mil cores
em gargalhadas sentidas  na descoberta de amores
que florescem em marés de esperança.

Diz-me que para além do horizonte
ainda existes 
Diz-me...

 Responderei:
Que não te prometo
o céu
a terra
e a lua

Eu te prometo
o perfume de uma flor
a espuma do mar
num beijo quente
que te quero dar

Eu te prometo
o carinho
a doçura
dos meus olhos
para te olhar.

Eu te prometo
que nada posso prometer
a não ser o meu amor
que, para sempre,
te há-de pertencer.


Ao JP  (17/04/1955-20/04/2014)

                                 (Desligar a música do blogue para ouvir o vídeo)

quarta-feira, abril 09, 2014

Alheia à engrenagem

Ilha do Pico, cortesia de Abílio Henriques



Exponho-me na versão insensata de qualquer episódio.
Misturo as datas dos factos primordiais,
dos ritos de passagem,
do solstício, da lua nova.
Morro e nasço.
Desdobro atitudes,
evocando arautos de estranhas profecias,
alheia à engrenagem
montada por artífices de paradoxos e de teias. 

De Conjugar afectos, 1977

quarta-feira, março 05, 2014

Borboletas

Fechei o livro lentamente.  

Há muito que não lia o autor. E gosto verdadeiramente do que escreve, mas a vida é assim… às vezes de quem mais gostamos é que estamos deveras afastados.

O poema tocou-me, confesso. Trouxe-me memórias escondidas de sentimentos que imaginava esfumados. E borboletas soltam-se em desejos ignorados.


Ultimamente não tenho pensado em sentimentos ocultos, daqueles que queremos fingir não existirem, mas que estão lá na profundeza do ser.

Como aquele sentimento inexplicável de borboletas no estômago.

Com o livro ainda a meu lado, fecho os olhos. As borboletas esvoaçavam em meu redor, tocando-me calmamente o cabelo, o rosto, o corpo faminto de recônditos desejos, mãos invisíveis percorrem-me o corpo, fazendo-me sorrir.

Dentro do sonho o meu sorriso é outro. Como que iluminado por pensamentos que não escondo porque se manifestam no rosto visível, nas mãos que me tocam, nos lábios que me saboreiam a pele e na sensação quente que me percorre as veias. 

Adormeço no sonho.



BORBOLETAS

Noites sem sexo são perfeitas, também: janelas entreabertas,
sombras que passam na rua através das horas, relâmpagos
que não chegam a iluminar as paredes do quarto. Românticos
que se encontram depois de viver vidas paralelas, cansados

– mas enlaçados antes que chegue a hora de partir, sem saberem
se amanhã há outro sono igual, ou uma escolha para fazer.
Os dois sabem que são doidos, estendem os dedos na escuridão
entre as luas. Os dois sabem que mais adiante podem arder
de repente no meio do Verão, consumidos pelos segredos

e pela indiferença. Noites sem sexo são perfeitas, também;
e raras, e condenadas e incompletas. Borboletas no estômago,
batendo asas contra todas as paredes do corpo – não deixando
que ele adormeça, inquieto e insatisfeito, voltado para dentro

e para o passado. Românticos que se encontram quando nenhum
deles esperava outra oportunidade, outro caminho. Nunca estamos
preparados, diz um. Nunca estamos, repete o outro, quando
a primeira borboleta sossega depois de um beijo em dívida.

Poema de Francisco José Viegas, in "Se me Comovesse o Amor", 

pág. 36, Edição Quasi