Imagem de Alexey Andreev collection
A casa apareceu na subida da rua. Por momentos parei olhando em redor, serenamente. Há muito deixei de ser a rapariga azougada que subia de rompão e irrompia na casa gritando alegremente: Avô… Avô…
E recordei as suas histórias contadas à lareira, enquanto no lume, uma panela preta de três pés cozia castanhas com erva-doce de que ainda guardo o cheiro e o paladar. Talvez inventadas, eram histórias de mouras encantadas que choravam o amor perdido do senhor do castelo.
Num impulso, galguei os seis degraus que me separavam da velha porta e, quando o ruído ensurdecedor de anos de aferrolho se fez ouvir, fechei os olhos.
Às apalpadelas, dirigi-me para as janelas e abri as portadas com dificuldade.
Através dos olhos semicerrados senti a luz que entrava a jorros.
Lentamente, virei-me para o interior olhando todo o aposento e pensei o quão feliz tinha sido naquela casa durante a minha infância; como num sonho, todos os sons e figuras de outros tempos povoaram a minha mente. Reagi e, numa corrida rápida, percorri aposento por aposento, abrindo de par em par, as restantes janelas.
Tinha decidido retomar a Vida nas minhas mãos. Que melhor local para me encontrar, se não este?
Quando finalmente o meu corpo despido entra na banheira cheia de água tépida, cansado da azáfama de tornar a casa acolhedora, sorrio maliciosamente…
Sinto teu corpo em mim
...e...assim...
O pensamento corre veloz como o vento no alto do Castelo. O desejo que há muito reprimia no meu corpo irrompe como a água que corre na mina que fornece a casa…
As tuas mãos,
que não tocaram meu corpo nestes dias sem tempo,
viajam no sonho e nas palavras,
florescendo no corpo húmido que se agita no desejo.
Ó estranha sinfonia, que toca, poro a poro, todo o corpo, na mais doce das melodias.
Através da limpidez da água olho o meu corpo e um mundo de sentimentos aflora em mim. Deixo-me resvalar e mergulho completamente dentro dela.
Um ruído abafado fez-se ouvir com insistência fazendo com que saísse da letargia onde me encontrava mergulhada, ao perceber que alguém tocava teimosamente à campainha da porta.
Descalça, com a água do banho escorrendo ainda, percorro o comprido corredor e, perto da porta, percebo que o meu corpo está desnudo; olhando em volta, socorro-me da larga cortina branca que esvoaça perto, enquanto a campaínha continua a tocar…
Sabes à seiva da terra
e trazes no corpo
doces carícias
que aquecem
meu sangue
transportando-o
para lá do sonho e
da imaginação.
Os seus lábios ávidos envolvem-me, as suas mãos percorrem o meu corpo húmido, enquanto ao longe um som se aproximava cada vez mais… a campainha continuava a tocar obstinadamente.
Abro os olhos. O sol, rompendo através da clarabóia, desperta-me do sonho. Num gesto rápido desligo o despertador e começo mais um dia.
Na dança da vida
a música toca a melodia
que sentimos na alma.