Pintura de Zhaoming Wu |
Acordei sobressaltada.
Através do estore amarelo a luz do dia já entrava, um pouco difusa, clareando o quarto.
Pela porta de vidro, aberta, que dá para o terraço, o frio matinal fazia-se sentir.
Estremeço…
Pego na ponta do lençol e limpo o rosto suado enquanto cruzo as pernas nuas em cima da cama, fecho os olhos e assim fico olhando para dentro de mim.
É neste momento que ela me sorri e sinto os seus olhos risonhos, malandros, a olharem para mim.
Há quanto tempo não te vejo? Tiraram-te de mim!
Fazes-me falta…
Quanta saudade da tua ousadia, das tuas palavras azougadas (sem falsos pudores), falando de sentimentos e paixões, com a clareza de uma criança.
Eras um estímulo para as palavras que bailam conjugando os sentimentos em todos os tempos.
Mais que ouvir, sinto a sua gargalhada, que me abala, provocando uma onda de convulsão e tento defender-me.
Não olhes assim para mim!
Não vês que já não habitas em mim?
Já não te escudas nesse nome com que me envolveste e cirandaste pelos caminhos alados da palavra, fomentaste sonhos e ilusões, esqueceste-te da minha condição de mulher mãe, dona de casa, enfermeira, motorista, sei lá que mais, escondida de olhares subtis, tímida e defensora de valores e da família, até já sou avó, vê lá tu!
Não abanes a cabeça!
O tempo dos fóruns e dos blogues onde te encontravas como peixe na água, onde te exprimias com tanta paixão, já não existem.
Já não podes abrir a tua alma como fonte jorrando água límpida.
Tudo isso desapareceu: olha em teu redor. Não existes. O teu nome não existe.
Existe somente a lembrança do que eras! Ou do que foste!
Não grites!
Porque estás a gritar?!
Que som é esse? Horrível…
Abro os olhos. O quarto encontra-se na penumbra do amanhecer.
Desligo o despertador e volto à realidade. O JP tem exames médicos marcados para hoje, bem cedo, no hospital.
Salto da cama e paro…
Que sonho estranho!
Semicerro os olhos e os olhos dela vêm de encontro aos meus, como que a dizer-me que afinal “ela” não morreu.
A Menina Marota existe em mim e sempre existirá.
Sorrio…
Vamos lá tirar o JP da cama dele…
(16 de Maio de 2013)