domingo, dezembro 20, 2015

NATAL UP-TO-DATE




Em vez da consoada há um baile de máscaras
Na filial do Banco erigiu-se um Presépio
Todos estes pastores são jovens tecnocratas
que usarão dominó já na próxima década

Chega o rei do petróleo a fingir de Rei Mago
Chega o rei do barulho e conserva-se mudo
enquanto se não sabe ao certo o resultado
dos que vêm sondar a reacção do público

Nas palhas do curral ocultam microfones
O lajedo em redor é de pedras da lua
Rainhas de beleza hão-de vir de helicóptero
e é provável até que se apresentem nuas

Eis que surge no céu a estrela prometida
Mas é para apontar mais um supermercado
onde se vende pão já transformado em cinza
para que o ritual seja muito mais rápido

Assim a noite passa. E passa tão depressa
que a meia-noite em vós nem se demora um pouco
Só Jesus no entanto é que não comparece
Só Jesus afinal não quer nada convosco

David Mourão-Ferreira

segunda-feira, dezembro 07, 2015

Graça Pires


Um final de tarde memorável. 
Uma apresentação brilhante de Lídia Borges.
Um livro para ser lido devagar e com o coração.
A simpatia e a serenidade comovida de Autora tornou ainda mais bonito o momento.
"Tarde de afectos e de reencontros. Poesia em carne e osso.", nas palavras de  Virgínia Do Carmo sobre a apresentação, no Porto, de UMA CLARIDADE QUE CEGA, de Graça Pires, na passada sexta-feira, 4 de Dezembro.

Grata a todos

Traço na areia uma linha em movimento 
de onda e rodo sobre mim mesma
quando as marés me bailam nas ancas.
Esta dança é em mim errática sedução.
O interlúdio da seda perfumada
em que me envolvo.
O jogo sensual no chão do peito,
como grito erguido sobre a língua.
Vem, cadência da música!
Suspende o silêncio que escorre
em pausas onduladas como água.
Encena-me em rituais profanos.
Acrescenta-me à partitura 
ou ao gesto ensaiado e cerzido
nas rugas do meu corpo.
Vem e desliza inteira no êxtase da luz!

de Graça Pires, em "Uma claridade que cega”
 a págs. 13