O sol tímido, teima em esconder-se, por detrás das árvores que avisto da janela aberta que inunda o aposento de uma claridade estranha, reflectindo em cada objecto uma luz difusa, que faz com que o meu olhar se demore, recordando a longa ou breve história, que cada um deles, me devolve em pensamento.
O som abafado de uma música chega-me através da porta entreaberta e, reconheço os acordes da guitarra de Carlos Paredes; sorrio porque sei ter sido uma prenda bem recebida e desejada.
O meu olhar espraia-se no horizonte. Gosto destas manhãs tranquilas onde revivo memórias que não desejo esquecer. Uma alegria quase infantil inunda-me ao recordar momentos que já são passado, mas estão tão presentes em mim, como se tivessem ocorrido ainda ontem…
O meu olhar detém-se na pilha de livros em cima da secretária e, instintivamente, abro ao acaso o primeiro em que peguei e as palavras de Linda Macfarlane saltam para fora da folha branca:
“O nosso amor não é um amor vulgar. Tem uma história com a dimensão de milhões de anos. Possui um futuro que não tem fim. Possui força e sabedoria. Apoio e compreensão. Cresce, aprendendo. O nosso amor não pertence ao tempo, ao espaço ou aos fracassos humanos.”
Esta é uma época de Amor. Todas podem ser de Amor… pertencentes à capacidade que cada um lhe queira dar. O Amor é eterno no coração de cada um de nós, seja qual for a forma de o repartirmos.
Lentamente fecho o pequeno livro e o seu título faz-me sorrir docemente…
Pintura de Susan Bourdet
Ao meio das folhas, no meio das vozes
que abrem e cantam a clareira, a corda
de algodão delgada e branca que atravessou
quatro orifícios, quatro furos petrolíferos,
dá o nó e o laço
que seguram as páginas de terra e
formam o caderno. Nas praias imóveis
nas suas ondas quietas, na rugosidade
branca das suas verdes folhas, podes
agora
escrever na leitura o livro
entre ti e mim tecido/entretecido
das sílabas vivas do surdo clamor
do mundo, do vivo enquanto
vivo.
Beija o anel do luar e
do sol: a música do mundo
presa na haste viva que o livro
hasteia branca e vermelha.
(Poema "A meio do Caderno" de Manuel Gusmão)