Imagem de Haleh Bryan
Mal toquei no jantar. Uma pequena dor atormentava-me, mas nem queria pensar nela.
Desligara o telefone onde estivera a falar com um dos pintores da exposição do Poem’art e a visita guiada ao Second Life até tinha decorrido bem e animada.
Mas enquanto colocava o jantar na mesa e chamava a Família uma pequena dor tirou-me de imediato a vontade de comer, mas nada disse.
Ajudei a deitar o JP, ainda dorido da queda de há dias, e fui para cima.
Hesitei, mas acabei por desligar o computador e quando me deitei a dor no peito era mais intensa.
Bem, pensei, isto deve ser nervoso e a tensão dos últimos dias… nada que uma boa noite de sono não alivie.
Mas a dor permanecia cada vez mais intensa e quando me arrancou lágrimas tentei chamar alguém mas a voz não me saiu; a pêra da campainha de chamada não estava no sítio quando a procurei e acabei por me encolher toda, puxando o lençol para mim.
A Rita e o Sting aos pés da cama, não se mexiam, contrariamente ao habitual, o que me levou a pensar que eles estavam a sentir que algo não estava bem.
De repente dei comigo a pensar na minha Família e nas consequências do meu desaparecimento. O JP ficaria bem; os meus filhos tratariam para que nada lhe faltasse de cuidados no futuro; os meus filhos são fortes, iriam aguentar o choque; dei comigo a preocupar-me com os meus cães…eles são tão apegados a mim; quando não estou eles nem saem do meu quarto! Que pensariam? Que os abandonei?
A dor continuava insuportável e cada vez me fazia aninhar mais, mas continuei com os pensamentos: uma carta no cofre, escrita há muito tempo e dirigida à minha filha, dava-lhe conta das minhas últimas vontades, até os códigos dos blogues, para ela lá deixar um último poema meu.
De repente ocorreu-me: “e se ela se esqueceu da combinação dos números para abrir o cofre?” Seria melhor ir abri-lo, mas apesar do esforço não consegui levantar-me.
Lembrei-me então das duas únicas pessoas que estavam zangadas comigo ou eu com elas, já nem sei.
Como gostaria de lhes dizer que apesar das nossas diferenças continuava a gostar deles e que a zanga afinal nem tinha razão de existir.
Agora é tarde, pensei.
Nem uma palavra lhes vou conseguir escrever. Sei que ela saberá, apesar de já não nos falarmos há tanto tempo, sinto que nos preocupamos uma com a outra. Ele, obstinado e teimoso, vai pensar que fiz isto para o massacrar: não é verdade. Afinal sempre lutei pelo bem dele… só que ele nunca o percebeu.
As lágrimas caíam-me e de repente mergulhei numa escuridão total.
Uma claridade imensa desperta-me, sinto que algo me limpa o rosto das lágrimas, abro os olhos e vejo o Sting olhar para mim com aqueles olhitos esperto e aos pulos por cima de mim atrai a Rita que corre para a minha mão que a afaga logo.
Num pulo salto da cama e corro para o terraço; o Sol envolve-me e a dor da véspera tinha desaparecido.
Toco em mim e começo a rir-me enquanto agarro o Sting que saltarica à minha volta e começo a dançar com ele.
Resolvi de imediato que tinha outras cartas para escrever e outras directrizes para deixar à minha filha. Afinal ela será a cabeça de casal da minha Família que, apesar de tudo, continua de pé.
São 10 horas da manhã. Apetece-me beber um café. A terrível dor no peito tinha desaparecido por completo e afinal estou viva, muito VIVA mesmo!
(Estes momentos foram reais. Aconteceram na noite de 25 para 26.
Acho que nasci de novo…)