quarta-feira, janeiro 11, 2012

Como escrever o dia

Como escrever o dia
em que as casas
cresceram
para dentro do ventre da terra
e os homens declinaram
e os miúdos riram
e as mulheres se agarraram
aos pilares voláteis das chaminés
como quem procura
o chão?

Como descrever o movimento
contínuo
das árvores a vogarem
a terra com os braços em remo?

Como descrever o negativo interno
das ruas
o sustentável desequilíbrio
das coisas e dos seres
de pernas para o ar
caídas de espanto
na vala paradoxal do tempo?
Como descrever
a noite que golpeou
o estado do dia
a dor
que perfurou
o corpo

o corpo que mergulhou na terra?


Poema de Vanda Baltazar



(Desligar a música de fundo para ouvir o vídeo, p.f.)

segunda-feira, janeiro 02, 2012

Epitáfio

De mim não buscareis, que em vão vivi
de outro mais alto que em mim próprio havia.
Se em meus lugares, porém, me procurardes
o nada que encontrardes
eu sou e minha vida.

Essas palavras que em meu nome passam
nem minhas nem de altura são verdade.
Verdade foi que de alto as desejei
e que de mim só maldições cobriam.
Debaixo delas a tradição se esconde,
porque demais me conheci distante
de alturas que de perto não existem.

Fui livre, como as águas que não sobem.
Pensei ser livre, como as pedras que caem.
O nada contemplei sem êxtase nem pasmo
que o dia a dia
em que me via
ele mesmo apenas era e nada mais.

Por isso fui amado em lágrimas e prantos
do muito amor que ao nada se dedica.
Nada que fui, de mim não fica nada.
E quanto não mereço é o que me fica.

Se em meus lugares, portanto, me buscardes
o nada que encontrardes
eu sou e minha vida.

Poema de Jorge de Sena




(Desligar a música de fundo para ouvir o vídeo, p.f.)



sábado, dezembro 31, 2011

Termina 2011, começa...



Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Por que tão longe ir pôr o que está perto -
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
o dia, porque és ele.



Odes de Ricardo Reis in "Obras Completas"
Fernando Pessoa, Vol. I, pág. 291







Imagens Google

sexta-feira, dezembro 23, 2011

Natal - 2011



Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
'Stou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!

Fernando Pessoa in Cancioneiro,
Obras Completas, Volume I, pág. 113

A TODOS



domingo, novembro 13, 2011

amanhã se tu quiseres

Imagem retirada de um PowerPoint



amanhã
se tu quiseres
vamos fazer desta terra
a nossa pátria sonhada

vamos
rasgar esta névoa
de esperança disfarçada
que não há nada a esperar
se nunca fizermos nada

vamos
quebrar o silêncio
com a força da coragem
e avançar contra o medo
que nos impede a viagem

vamos
antes que o futuro
não seja mais que a saudade
das cantigas que deixámos
pelas ruas da cidade

amanhã
se tu quiseres
vamos fazer um país
com a cor da liberdade

Poema de
Vieira da Silva


(Desligar a música de fundo para ouvir o vídeo, p.f.)