terça-feira, novembro 21, 2006

Cartas do Perú dos Olivais

Aproxima-se o Natal e o Perú dos Olivais escreve à sua Perua...

Imagem Google

I
Adorada perua:Há dias que, diante do patrão,
ando de rua em rua
não sei por que razão.
Como tu viste, o homem resolveu
fazermos em Lisboa a consoada,
para me divertir, suponho eu.
Porém, se adivinhasse esta estopada,
tinha-lhe dito logo que não vinha,
tanto mais, tanto mais, não vindo tu,
minha peruazinha,
por quem morre de amor o teu perú.
É para ver a terra? Não percebo,
pois mal ergo a cabeça para o ar
trabalha logo a cana do mancebo
e continuo a andar, a andar, a andar...
Às vezes lá paramos, mas estranho
também estas paragens,
porque me agarram certas personagens,
tomam-me o peso, notam-me o tamanho
e até (Deus me perdoe se ouço mal!)
discutem o valor,
como se eu fosse, amor,
uma coisa venal!

Adeus. Com isto não te enfado mais.
Havendo novidades
escrevo. Mil saudades
e beijos do

Perú dos Olivais

II
Meu anjo... Escrevo agora na cozinhaduma senhora muito delicada,
que me tem dado esplêndida papinha
assim como a criada.
Há pouco ainda (ora imagina, filha!)
deram-me até um copo de Bucelas
que me adoçou muitíssimo as goelas
e é uma verdadeira maravilha,
mas Deus queira, Deus queira
como só bebo água lá em casa,
que não me faça mal à mioleira
e que eu não fique com um grão na asa.
Amanhã te direi o que é passado.
Recebe mil bicadas cordiais
do teu apaixonado
Perú dos Olivais
III
Querida. Água a ferver... Uma panelaao pé dum alguidar... tenho receio...
Fala-se em cabidela
e em perú de recheio...
Afia-se uma faca... Ó céus! Que horror!
O monco já me cai... Nunca supus...
Que é isto meu amor?
Ai Jesus! Ai Jesus!
Já tenho as pernas presas...
Tolda-se a vista... Engasgo-me... Agonizo...
Tremem-me as miudezas...
Turva-se-me o juízo...
Adeus: Recebe o último glu-glu
e os corais
do in... fe... liz
Pe... rú... dos O... li...vais

(Poema de Acácio de Paiva
Insigne poeta Leiriense
(1ª metade do séc. passado...)

24 comentários:

APC disse...

Que coisa magnífica, pois não é? :-) Tá o máximo!
Lembraste-me, com isso, de um magnífico texto da autoria da minha amiga de infância, a Cila, que me foi oferecido por ela no natal anterior. Trata-se da receita de Perú Recheado, narrada pelo próprio, in loco, precisamente. Fui buscá-la ao armário, onde a guardo enroladinha no canudinho em que me chegou, mas acontece é de página e meia, impossível de trazer para este espacinho.
Se der, digitalizo-a e envio-ta, só por curiosidade! :-)
Agora vou navegar mais um bocadinho neste teu mar onde as pérolas se sucedem (o tempo twm sido tão pouco, tão pouco!...).
Ah... Aprecio sempre muito a tua visita, tu sabes! :-)
Bom trabalho, bom descanso e especiais afectos!

Anónimo disse...

Que deliciosa homenagem aos últimos tragos de ar, e outros venenos de bucelas, feita aos perús. Eles que me perdoem por os saborear a contento... mas vou rezar pelas suas alminhas. Beijinho

M.A. disse...

Que belo gesto.

Saudades,



*++maat

a d´almeida nunes disse...

Mais um fantástico copo de bom vinho de Bucelas e a imaginação irónica de Acácio de Paiva a funcionar em pleno.
Sem dúvida que este é mais um dos poemas representativos do estilo e da época vivida por Acácio de Paiva. Os seus trabalhos dispersos, em vida, por jornais e jonais, estão coligidos numa Antologia em boa hora publicada pela Câmara Municipal de Leiria, como, aliás, já deve ser do conhecimento da menina e dos leitores mais assíduos deste blog.
Ainda vou ver se consigo que o seu sobrinho-neto José Paiva, meu cunhado, com uma veia para a caricatura, excepcional, também com muito gosto pela pintura e exímio versejador, produza talvez uma caricatura alusiva a este tema. O difícil é convencê-lo a meter mãos à obra!...
Espero bem que ele não venha ler este comentário!...

Teresa Durães disse...

não conhecia

(de todo...)
e ri!

boa tarde

João Moutinho disse...

Nunca fui um grande apreciador de perú mas gostei muito de ter morado nos Olivais.

Anónimo disse...

pobre coitado do peru que fizeram em vc?

Um poema e tanto!!

Beijão pra vc

Clotilde S. disse...

Coitadinho do bichinho...

Obrigada pela visita, Menina.
Tudo de bom para ti. Os teus blogs continuam magníficos, como sempre.

Beijinhos

Anónimo disse...

o que eu me ri com este poema. um espetáculo. no Natal já não quero perú!!!
josé

Anónimo disse...

Até para ser bicho é preciso sorte e há alguns coitados que só vieram ao mundo para satisfação do bicho homem. Mas os versos são muito engraçados. sempre atenta, hein?!
bjs
António

Anónimo disse...

Delicioso...o poema que o perú não o provei.
Mas este poema de amor é de uma imaginação excelente, como excelente deveria estar a consoada...eheheheh
( serão efeitos da fome que me assola neste momento? )
Beijinhos

Anónimo disse...

ESpectacular, gostoso, cómico, agradável... e nem digo mais! Genial!
bjs doces

Non disse...

As coisas que eu encontro em blogs inteligentes!

:)

Bjs

Anónimo disse...

Olá.

Peço perdão pela longa ausência. Mas cheguei aqui e tive um ataque de nervos. Incorporei um peru no Natal e ia morrendo do coração.

;)

Adorei.

Beijop, Menina.

Rosario Andrade disse...

Bom dia Menina marota!
Eu por mim deixava o pobre do peru sossegado...
Bjicos

Anónimo disse...

pobrezito do bicho, assim até fico lamentando comer peru no Natal!!!
Bjinhossss da Claudinha
:-)))))

Anónimo disse...

que marotice!

Maria Clarinda disse...

Excelente e hilariante! Adorei, não conhecia.
Jinhos.

Anónimo disse...

hilariante, de facto.

Anónimo disse...

Que refeição de peru saborosa...
"Minha peruazinha"... Que delícia!
Beijo neste regresso.

Anónimo disse...

estava a precisar de sorrir e não há duvidaque a tua escolha foi certa.
beijos

Anónimo disse...

Grande poema, adorei, boa semana.

O Sibarita disse...

Oi! A poesia por si só se fala e fala bem do perú e como!

Tem coisa melhor do que um natal com perú? Não tem, né? Então, haja perú...

abraços,
O Sibarita

AnotaDora disse...

Espirituoso... tinha que ser leiriense, como "moi"... adorei o blog, marota... está simoplesmente muito, muito giro...