I
Adorada perua:Há dias que, diante do patrão,
ando de rua em rua
não sei por que razão.
Como tu viste, o homem resolveu
fazermos em Lisboa a consoada,
para me divertir, suponho eu.
Porém, se adivinhasse esta estopada,
tinha-lhe dito logo que não vinha,
tanto mais, tanto mais, não vindo tu,
minha peruazinha,
por quem morre de amor o teu perú.
É para ver a terra? Não percebo,
pois mal ergo a cabeça para o ar
trabalha logo a cana do mancebo
e continuo a andar, a andar, a andar...
Às vezes lá paramos, mas estranho
também estas paragens,
porque me agarram certas personagens,
tomam-me o peso, notam-me o tamanho
e até (Deus me perdoe se ouço mal!)
discutem o valor,
como se eu fosse, amor,
uma coisa venal!
Adeus. Com isto não te enfado mais.
Havendo novidades
escrevo. Mil saudades
e beijos do
Perú dos Olivais
II
Meu anjo... Escrevo agora na cozinhaduma senhora muito delicada,
que me tem dado esplêndida papinha
assim como a criada.
Há pouco ainda (ora imagina, filha!)
deram-me até um copo de Bucelas
que me adoçou muitíssimo as goelas
e é uma verdadeira maravilha,
mas Deus queira, Deus queira
como só bebo água lá em casa,
que não me faça mal à mioleira
e que eu não fique com um grão na asa.
Amanhã te direi o que é passado.
Recebe mil bicadas cordiais
do teu apaixonadoPerú dos Olivais
III
Querida. Água a ferver... Uma panelaao pé dum alguidar... tenho receio...
Fala-se em cabidela
e em perú de recheio...
Afia-se uma faca... Ó céus! Que horror!
O monco já me cai... Nunca supus...
Que é isto meu amor?
Ai Jesus! Ai Jesus!
Já tenho as pernas presas...
Tolda-se a vista... Engasgo-me... Agonizo...
Tremem-me as miudezas...
Turva-se-me o juízo...
Adeus: Recebe o último glu-glu
e os corais
do in... fe... lizPe... rú... dos O... li...vais
(Poema de Acácio de Paiva
Insigne poeta Leiriense
(1ª metade do séc. passado...)
24 comentários:
Que coisa magnífica, pois não é? :-) Tá o máximo!
Lembraste-me, com isso, de um magnífico texto da autoria da minha amiga de infância, a Cila, que me foi oferecido por ela no natal anterior. Trata-se da receita de Perú Recheado, narrada pelo próprio, in loco, precisamente. Fui buscá-la ao armário, onde a guardo enroladinha no canudinho em que me chegou, mas acontece é de página e meia, impossível de trazer para este espacinho.
Se der, digitalizo-a e envio-ta, só por curiosidade! :-)
Agora vou navegar mais um bocadinho neste teu mar onde as pérolas se sucedem (o tempo twm sido tão pouco, tão pouco!...).
Ah... Aprecio sempre muito a tua visita, tu sabes! :-)
Bom trabalho, bom descanso e especiais afectos!
Que deliciosa homenagem aos últimos tragos de ar, e outros venenos de bucelas, feita aos perús. Eles que me perdoem por os saborear a contento... mas vou rezar pelas suas alminhas. Beijinho
Que belo gesto.
Saudades,
*++maat
Mais um fantástico copo de bom vinho de Bucelas e a imaginação irónica de Acácio de Paiva a funcionar em pleno.
Sem dúvida que este é mais um dos poemas representativos do estilo e da época vivida por Acácio de Paiva. Os seus trabalhos dispersos, em vida, por jornais e jonais, estão coligidos numa Antologia em boa hora publicada pela Câmara Municipal de Leiria, como, aliás, já deve ser do conhecimento da menina e dos leitores mais assíduos deste blog.
Ainda vou ver se consigo que o seu sobrinho-neto José Paiva, meu cunhado, com uma veia para a caricatura, excepcional, também com muito gosto pela pintura e exímio versejador, produza talvez uma caricatura alusiva a este tema. O difícil é convencê-lo a meter mãos à obra!...
Espero bem que ele não venha ler este comentário!...
não conhecia
(de todo...)
e ri!
boa tarde
Nunca fui um grande apreciador de perú mas gostei muito de ter morado nos Olivais.
pobre coitado do peru que fizeram em vc?
Um poema e tanto!!
Beijão pra vc
Coitadinho do bichinho...
Obrigada pela visita, Menina.
Tudo de bom para ti. Os teus blogs continuam magníficos, como sempre.
Beijinhos
o que eu me ri com este poema. um espetáculo. no Natal já não quero perú!!!
josé
Até para ser bicho é preciso sorte e há alguns coitados que só vieram ao mundo para satisfação do bicho homem. Mas os versos são muito engraçados. sempre atenta, hein?!
bjs
António
Delicioso...o poema que o perú não o provei.
Mas este poema de amor é de uma imaginação excelente, como excelente deveria estar a consoada...eheheheh
( serão efeitos da fome que me assola neste momento? )
Beijinhos
ESpectacular, gostoso, cómico, agradável... e nem digo mais! Genial!
bjs doces
As coisas que eu encontro em blogs inteligentes!
:)
Bjs
Olá.
Peço perdão pela longa ausência. Mas cheguei aqui e tive um ataque de nervos. Incorporei um peru no Natal e ia morrendo do coração.
;)
Adorei.
Beijop, Menina.
Bom dia Menina marota!
Eu por mim deixava o pobre do peru sossegado...
Bjicos
pobrezito do bicho, assim até fico lamentando comer peru no Natal!!!
Bjinhossss da Claudinha
:-)))))
que marotice!
Excelente e hilariante! Adorei, não conhecia.
Jinhos.
hilariante, de facto.
Que refeição de peru saborosa...
"Minha peruazinha"... Que delícia!
Beijo neste regresso.
estava a precisar de sorrir e não há duvidaque a tua escolha foi certa.
beijos
Grande poema, adorei, boa semana.
Oi! A poesia por si só se fala e fala bem do perú e como!
Tem coisa melhor do que um natal com perú? Não tem, né? Então, haja perú...
abraços,
O Sibarita
Espirituoso... tinha que ser leiriense, como "moi"... adorei o blog, marota... está simoplesmente muito, muito giro...
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