Gosto do sossego dos domingos de Primavera.
Do amanhecer calmo. De olhar o sol nascer, para lá das altas frondes das árvores que avisto, da janela do terraço.
Ao longe, o sino da Igreja Matriz bate as oito horas.
A sinfonia que me chega aos ouvidos, faz-me sorrir agradecida.
Os pássaros, como que adivinhando o meu pensamento, entoam uma melodia única aos meus ouvidos.
É esta, a hora de todos os despertares…
Pego no Livro e releio as palavras do autor…
Pintura de Vassily Kandinsky
"Quanto mais contemplo o espectáculo do mundo, e o fluxo e refluxo da mutação das coisas, mais profundamente me compenetro da ficção ingénita de tudo, do prestígio falso da pompa de todas as realidade. E nesta contemplação, que a todos, que reflectem, uma ou outra vez terá sucedido, a marcha multicolor dos costumes e das modas, o caminho complexo dos progressos e das civilizações, a confusão grandiosa dos impérios e das culturas – tudo isso me aparece como um mito e uma ficção, sonhado entre sombras e esquecimentos. Mas não sei se a definição suprema de todos esses propósitos mortos, até quando conseguidos, deve estar na abdicação extática do Buda, que, ao compreender a vacuidade das coisas, se ergueu do seu êxtase dizendo “Já sei tudo”, ou na indiferença demasiado experiente do imperador Severo: “omnia fui, nihil expedit – fui tudo, nada vale a pena”."
(Trecho 132, pág. 152 do Livro do Desassossego, composto por Bernardo Soares – Obras de Fernando Pessoa, Assírio & Alvim)