sábado, maio 25, 2013

Crónicas de vida

Pintura de Zhaoming Wu


Acordei sobressaltada.
Através do estore amarelo a luz do dia já entrava, um pouco difusa, clareando o quarto.
Pela porta de vidro, aberta, que dá para o terraço, o frio matinal fazia-se sentir.
Estremeço…
Pego na ponta do lençol e limpo o rosto suado enquanto cruzo as pernas nuas em cima da cama, fecho os olhos e assim fico olhando para dentro de mim.
É neste momento que ela me sorri e sinto os seus olhos risonhos, malandros, a olharem para mim.
Há quanto tempo não te vejo? Tiraram-te de mim!
Fazes-me falta…
Quanta saudade da tua ousadia, das tuas palavras azougadas (sem falsos pudores), falando de sentimentos e paixões, com a clareza de uma criança.
Eras um estímulo para as palavras que bailam conjugando os sentimentos em todos os tempos.
Mais que ouvir, sinto a sua gargalhada, que me abala, provocando uma onda de convulsão e tento defender-me.  
Não olhes assim para mim!  
Não vês que já não habitas em mim?  
Já não te escudas nesse nome com que me envolveste e cirandaste pelos caminhos alados da palavra, fomentaste sonhos e ilusões, esqueceste-te da minha condição de mulher mãe, dona de casa, enfermeira, motorista, sei lá que mais, escondida de olhares subtis, tímida e defensora de valores e da família, até já sou avó, vê lá tu!  
Não abanes a cabeça!  
O tempo dos fóruns e dos blogues onde te encontravas como peixe na água, onde te exprimias com tanta paixão, já não existem.  
Já não podes abrir a tua alma como fonte jorrando água límpida.  
Tudo isso desapareceu: olha em teu redor. Não existes. O teu nome não existe.  
Existe somente a lembrança do que eras! Ou do que foste!  
Não grites!  
Porque estás a gritar?!  
Que som é esse? Horrível…
Abro os olhos. O quarto encontra-se na penumbra do amanhecer.
Desligo o despertador e volto à realidade. O JP tem exames médicos marcados para hoje, bem cedo, no hospital.
Salto da cama e paro… 
Que sonho estranho!
Semicerro os olhos e os olhos dela vêm de encontro aos meus, como que a dizer-me que afinal “ela” não morreu.  
A Menina Marota existe em mim e sempre existirá.

Sorrio… 

Vamos lá tirar o JP da cama dele… 


(16 de Maio de 2013)

8 comentários:

Anónimo disse...

Curioso, muito curioso .... !!!

C.

Manuel Veiga disse...

delicioso texto...

"ela" não morreu. e felicito-te por isso.

beijo

Amaral disse...

Nunca deixará de habitar nessa que o tempo vai moldando à vida, nessa que a vida vai recriando cada vez mais diferente e mais cheia de experiência. A criança será sempre o vínculo imortal, a essência infinita dum princípio sem fim...

Duarte disse...

Sabes, que não deixe de existir, é lindo aquilo que expressas: na maioria das vezes os sonhos plasmam uma realidade.

Menina Linda,
conseguiste emocionar-me com a grande verdade que disseste. Pode que alguém mais pense igual, mas jamais o disse. Obrigado. Parabéns.

Um abraço bem grande

Silenciosamente ouvindo... disse...

Olá, venho agradecer ter-se registado
no meu blogue. Virei com mais tempo
ver melhor os seus blogues.Tenho
estado doente, e tenho tudo atrasado
a nivel de resposta a comentários.
Se quiser visitar um outro blogue
meu, que aceita comentários mas
não seguidores é:
http://sinfoniaesol.wordpress.com
E ja agora o Duarte(tem aqui um
comentário dele) é padrinho do meu
blogue http://intemporal-pippas.
blogspot.pt
Um beijinho
Irene Alves

Daniel C.da Silva disse...

Que bonito e terno...

Um beijinho

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

que ternura colocaste neste texto...

um beijo

:)

A.S. disse...

Ninguém senão tu poderia ter escrito este belissimo texto!...


O meu abraço!
AL