"…É outra vez sexta à noite. De novo a campainha. O nosso filho abraça-te. Tu ergues o olhar e olhas-me um breve instante. Eu fecho as cortinas. Tu ergues o olhar e olhas-me um breve instante. Eu fecho as cortinas. Não suporto esse olhar sem culpa. O carro afasta-se e eu fico só. Insuportavelmente só. Eu só te queria pedir que o não levasses. Para que eu não me sinta mais uma vez suspensa nessa solidão a que me condenaste. A minha dor tem contornos de capricho aos teus olhos. Enfado-te. Saturo-te. Odeio-te. És execrável. Um sacana de merda, que se fica a rir das minhas lágrimas. Mas não regozijes, que ainda não é hoje que me mato ou desapareço. Eu vou ficar cá. Sou a tua memória. O cheiro fétido que te lembra o passado que queres esquecer. Eu vou ficar aqui, à espera que sofras. Eu sou a prova do teu logro, da tua vida miserável. Essa dor não passa, nem vai passar. Esse é o pequeno consolo deste meu presente árido e desolado. Ergo-te a taça do meu despeito. Que ela te faça chafurdar na solidão e desespero como o teu me fez. É o brinde que faço a mim mesma."
Termina assim a história de Laura, uma das quinze mulheres que o livro Gineceu retrata.
No final do prefácio assinado por Andreia F. S. Varela lê-se: “… Gineceu treme, grita, chora e comemora numa só língua; faz-nos pensar que somos, todos, fragmentos de uma mesma criatura que vale a pena a qualquer hora: de manhã, à tarde, de noite… Esteja a solidão aqui, ou a bater à porta, do lado de fora.”
(in, “Gineceu” de Cristina Nobre Soares, pág. 13 a 15)
7 comentários:
Pelo aperitivo que aqui deixas, a não perder, sem dúvida.
Beijo meu, querida Menina :)
Ímperdível...
É já um sucesso...
bj
Claro que vou frequento essa livraria habitualmente
Kissss da joana
Prosa forte e feminina. Gostei do estilo.
bj
Espero que tenha sido um sucesso
Felicidades!
Participei no primeiro
lançamento
Bj
O eterno conflito: androceu versus gineceu!
Enviar um comentário