"Dez e trinta
Somos a morte abandonada na paisagem definhando de testa franzida sem partilharmos segredos. Nem os segredos nem nada. Não passamos de vis ilhas narcísicas contemplando o deserto do umbigo.
A franja rebelde de cabelo que desliza para a testa – franzida – parece querer apoquentar a inexistente tranquilidade, cobrindo o olho direito. Pala entre as palas que se avolumam frente ao olhar impedindo um ver mais além. Tudo se detém ali, raso aos olhos e aos fiapos de cabelo displicente que desafia o pente e a vontade.
O homem procura no mundo alguém de quem diante se possa curvar, e quando o consegue parece ter encontrado um consenso de aglutinação que o torna indigno, porquanto abdicou da sua individualidade, incapaz da solidariedade pura e simples. Regenera-se nesse último acto de indignidade, sobranceiro e displicente numa clara demonstração de incapacidade de ousar.
Dos lençóis guardam-se os aromas que o tempo não apaga. A rasar o céu o voo quase tonto das lembranças de mares azuis e de dias que não aconteceram.
Ana e Bela entretanto a vida passa ao lado qual paisagem observada de um comboio em andamento forçado e vertiginoso que nos dá a falsa sensação de movimento. Parados, assistimos ao movimento inverso dos dias e das noites que passam, e contudo, o comboio não saiu da velha estação onde o relógio continua a marcar dez e trinta. Porém, a paisagem desfila ante os olhos e mesmo o apeadeiro de homens começa com lentidão arrepiante a ficar para trás numa lógica que não se entende. Os verdes são quebrados pelos castanhos de terra infértil, um casario perdido em nenhures, um ou outro ser humano, pequeno, pequeno, estrangeiro dele mesmo, buscando nada no depósito dos resíduos humanos despojados e abandonados nesse deserto infinito que somos cada um e todos.
De [ti] resistem os aromas e o murmúrio de um adeus inusitado. Tão fortes que não permitem o avanço. Prisioneiro de [mim] na pequena e ignota estação de comboio parado e relógio que continua a marcar dez e trinta.
O saber-se que a morte [nos] abandona mortos na paisagem também morta e na vulnerabilidade dos sulcos abertos em rostos e rasgos na alma. Incuráveis.”
In "Insónias e Afins"
De A Pinto Correia, para a Otília, “menina marota” que tudo tem feito pela divulgação dos novos talentos que as editoras desprezam.
Porque tens prestado um serviço público inestimável à cultura, um grande obrigado, Otília, “menina marota”
Somos a morte abandonada na paisagem definhando de testa franzida sem partilharmos segredos. Nem os segredos nem nada. Não passamos de vis ilhas narcísicas contemplando o deserto do umbigo.
A franja rebelde de cabelo que desliza para a testa – franzida – parece querer apoquentar a inexistente tranquilidade, cobrindo o olho direito. Pala entre as palas que se avolumam frente ao olhar impedindo um ver mais além. Tudo se detém ali, raso aos olhos e aos fiapos de cabelo displicente que desafia o pente e a vontade.
O homem procura no mundo alguém de quem diante se possa curvar, e quando o consegue parece ter encontrado um consenso de aglutinação que o torna indigno, porquanto abdicou da sua individualidade, incapaz da solidariedade pura e simples. Regenera-se nesse último acto de indignidade, sobranceiro e displicente numa clara demonstração de incapacidade de ousar.
Dos lençóis guardam-se os aromas que o tempo não apaga. A rasar o céu o voo quase tonto das lembranças de mares azuis e de dias que não aconteceram.
Ana e Bela entretanto a vida passa ao lado qual paisagem observada de um comboio em andamento forçado e vertiginoso que nos dá a falsa sensação de movimento. Parados, assistimos ao movimento inverso dos dias e das noites que passam, e contudo, o comboio não saiu da velha estação onde o relógio continua a marcar dez e trinta. Porém, a paisagem desfila ante os olhos e mesmo o apeadeiro de homens começa com lentidão arrepiante a ficar para trás numa lógica que não se entende. Os verdes são quebrados pelos castanhos de terra infértil, um casario perdido em nenhures, um ou outro ser humano, pequeno, pequeno, estrangeiro dele mesmo, buscando nada no depósito dos resíduos humanos despojados e abandonados nesse deserto infinito que somos cada um e todos.
De [ti] resistem os aromas e o murmúrio de um adeus inusitado. Tão fortes que não permitem o avanço. Prisioneiro de [mim] na pequena e ignota estação de comboio parado e relógio que continua a marcar dez e trinta.
O saber-se que a morte [nos] abandona mortos na paisagem também morta e na vulnerabilidade dos sulcos abertos em rostos e rasgos na alma. Incuráveis.”
In "Insónias e Afins"
De A Pinto Correia, para a Otília, “menina marota” que tudo tem feito pela divulgação dos novos talentos que as editoras desprezam.
Porque tens prestado um serviço público inestimável à cultura, um grande obrigado, Otília, “menina marota”
21 comentários:
Muito lindo o texto!! o endereço pro blogue do autor não está bem||
Né
Querida!
Que bom poder encontrar-te outra vez... Sabes? Tive problemas com o computador ha uns meses e perdi muitos dos links do blogger... pouco a pouco os estou recuperando... Felizmente me encontrastes... :o)
Cá virei agora todas as semanas, sem falta para colocar a leitura em dia... :o)
Bom saber de ti!
Beijos, flores e meus eternos sorrisos!
Ainda bem que alguns eleitos não estão de férias em Agosto.
Tens razão,Menina,não pode haver férias para a ternura.
Olá menina marota não sei se vives em lisboa, mas se puderes ajudar agradeço. vai ao meu blog e ajuda quem precisa de ser ajudado. sofialisboa
o horrror!
Além de mais uma ternura, também um belíssimo texto.
Beijo
Faço minhas as palavras do António Melenas. Beijos.
Estou de acordo com as msg's anteriores: um lindo texto do autor k oferece no seu livro belas prosas!!! E tu mereces tudo isto MM!!
Beijão da Anita
Pois é, Ternura a palavra que surge, ao reler, ao ler. E uma alegria que sempre me deu olhar a foto-tipo do perfil, o riso-sorriso das pequenas coisas que (também) nos enlaçam. Para ti, sejas quem fores e onde, uma abraço sério, dedicado, solidário, menino. Beijinhos, que tivesse sido uma data feliz. E que todos os dias sejam calorosos de amigos teus.
Passei na simplicidade de um clic, para te deixar um beijinho
È um texto interessante, mas preferia ouvir o Dwigt Yoakam a cantar musicas do elvis.
Mais um bonito texto que te dedicam numa manifestação de apreço, entre tantos outros que merecidamente tens recebido.
Rogozijo-me sinceramente com o teu êxito.
Texto muito bonito e bem escrito.
IUm beijo.
As Ternuras são muitas e belas, como este texto, e tu mereces sem dúvida Menina Marota! Abraço.
Palavras para quê ,Menina Marota? Tudo é verdade, tudo és Tu.
Jinhos.
Adorei esta música.
Que surpresa maravilhosa, Otília,menina marota, eternamente menina!!!!
Filhos igualmente maravilhosos.
Palavras lindas, ternas, merecidas, dos amigos daqui pela tua contribuição dedicada ao divulgar de modo tão carinhoso, como só tu sabes, a poesia de poetas dali e daqui.
Este Girassol para ti, que por acaso e culpa da minha mãe se chama Ana Bela...Tem piada!!!
Beijinhos e que sejas sempre feliz!
Depois de uns dias ausente aqui estou a ler a maravilha que partilhas. É este encantamento que sobressai da blogosfera que enternece quem por aqui passa. O divulgar os sentimentos dos outros, não se fechar em si - como tantos fazem - e permitir este quase diálogo interblogues é uma das tuas maravilhosas capacidades.
Bem hajas por isso, minha Marota!!
Cpmtos do
J.N.
(já tive oportunidade de ler o livro do Zé Pinto Correia. Excelente prosa poética.Parabéns)
OLá amiga, mas que bela postagem adorei ler nem conhecia este texto é magnifico. Deixo-te um grande Beijinho Menina marota muito linda
Olá MM
Mais um belo texto do António Pinto Correia.
Mais uma ternura, tu mereces...
que bom encontrar aqui o Pinto Correia que tinha perdido o caminho pra ele; sempre com os seus textos nostalgicos é uma maravilha a sua escrita.
Mil beijos da Céu
Muito bonita, a escrita deste APC de letras maiúsculas! :-)
"De ti resistem os aromas e o murmúrio de um adeus inusitado. Tão fortes que não permitem o avanço"...
!!!
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