quarta-feira, outubro 19, 2005

Sinto a tua falta...

Imagem daqui


A primeira vez que o vi o prédio estava em fase de acabamento. Mas ele já lá morava porque tinham tido necessidade urgente de se mudar.


Gostei de imediato do seu olhar franco e directo. Não tinha receio de olhar os meus olhos e cumprimentava-me com uma alegria que chegava a comover-me.

O tempo que decorreu entre os acabamentos finais da minha habitação e a mudança aproximou-nos.

Ele vinha ligeiro ao meu encontro e eu parava a dar-lhe palavras de afecto.


Acho que a nossa relação começou de imediato aí.

Dia a dia íamos cimentando a nossa amizade. Eu sentia em cada demorado olhar o carinho que transbordava dele. A vida já o tinha maltratado muito e, notava-se, que ele só queria que lhe prestasse atenção.

Por vezes, nos meus passeios a pé, ele acompanhava-me. Ouvia com atenção o que eu lhe dizia, atento aos meus movimentos.

Por isso, não foi difícil para mim, quando me pediram para tomar conta dele. Ele andava adoentado e a proprietária do apartamento tinha arranjado um novo emprego pelo que não podia dar-lhe a atenção a que estava habituado.

Todos os dias, à mesma hora, passeávamos. Depois do jantar, já ele me esperava ansioso. Notava-se.

Foi assim durante algum tempo e, cada vez mais, o nosso afecto era visível.


Os moradores sorriam quando nos viam passar. Nunca fui de grandes conversas com a vizinhança, por isso a nossa amizade atraía sorrisinhos de quem não compreendia o que se estava a passar.

Contingências da minha vida pessoal levaram a que nos afastássemos durante algum tempo e, soube mais tarde, a tristeza dele durante esse tempo.

Quando nos encontrámos novamente, ele correu para mim como louco e saltou para o meu colo. “Lambuzou” o meu rosto de beijos que, diga-se a verdade, me encheu de alegria.


Recordei este episódio hoje, ao abrir de manhã a janela, e o meu coração disparar ao aperceber-me do vulto que estava no estacionamento.

Nem esperei pelo elevador. Galguei os três andares e corri para ele.

Mas a alegria deu lugar à decepção. O olhar que eu esperava encontrar não era o dele.Senti uma lágrima correr-me pelo rosto e, metendo as mãos nos bolsos, comecei a percorrer o caminho que tantas vezes partilhámos.

Recordei aquela vez em que ele se atirou do primeiro andar e quase ficou cego.
Tratei dele com tanto carinho: levantava-me bem cedo para lhe colocar as gotas nos olhos e o antibiótico sempre a horas certas. Grande foi a minha alegria quando, finalmente, o deram como curado!

E daquela vez em que foi atropelado e o seu choro me fez correr feita tola até à Clínica subindo as escadas com ele ao colo? Como ele pesava!

Mais tarde, quando tudo parecia estar sanado, outra aflição. Que seria aquele papo enorme que ele tinha quase do tamanho de uma maçã? Um tumor?!

Não, felizmente! Como poderia imaginar que ele pudesse sofrer da próstata?

- É da idade. Acontece por vezes. A força da pancada no atropelamento provocou-lhe uma inflamação.Ele tudo consentia, com aquele olhar meigo que me enchia o coração.

Assim se passaram meses… cinco, seis? Nunca os contei. Mas era feliz por ele estar feliz.

Até que um dia não o vi na porta da entrada.

A proprietária do apartamento, regressada entretanto, resolvera dar-lhe outro encaminhamento porque, segundo ela, não podia ter aquela responsabilidade.
Arranjara-lhe uma quinta... iria ficar bem…

Olhei-a nos olhos. Ela desviou o olhar. Percebi que estava a mentir.

A partir daquele dia, olho com tristeza para o parque de estacionamento, esperando o seu regresso.



Sinto a tua falta, Raposo… estejas onde estiveres, permanecerás vivo no meu coração.

55 comentários:

CLÁUDIA disse...

Lindo... Porque há presenças que ficam mesmo para sempre.

Beijinho grande ***

augustoM disse...

Há pessoas para quem os animais não passam de decoração, ao primeiro problema livram-se deles.
Quem não gosta dos animais, e não aprecia os seus afectos, muitas vezes muito mais intensos do que nos humanos, não tem capacidade de amar seja o que for.
Um beijo. Augusto

Anónimo disse...

Olá Menina Simpática( como eu gosto de te chamar), o olhar de um cão fiel é um olhar lindo, digam o que disserem, tenho muita pena de não conseguir ajudar mais animais abandonados, somos limitados... mas vai-se fazendo por eles, quem os ama e tem respeito por eles, costuma-se dizer: mais faz quem quer que quem pode!!!

José Gomes da Silva disse...

Desta vez tocou mesmo fundo! Muito, mesmo! Palavras? Perdi-as também no olhar longínquo do teu amigo, no teu olhar mareado, olhando para o parque. Quando se trata destes seres maravilhosos, de pureza e honestidade infinitas, enfim, quando se trata de qualquer animal,penso sempre: não os merecemos!
Porém, enquanto houver Meninas Marotas, talvez ainda salvemos alguns. Comigo poderás sempre contar!

Vivi todo o "crescendo" deste texto até ao fim como se o Raposo tivesse sido um bocadinho meu também...

Bravo!

Bjs

Anónimo disse...

Olá Menina!! Sempre me emocionei com estas histórias, tenham elas finais felizes ou nem por isso. Agradeço por haverem pessoas cmo tu k compreendem e respeitam os animais, nem sabes o quanto isso me sensibiliza. Não quero mencionar as crueldades que as pessoas fazem aos animais, hoje, quero apenas pensar nos que fazem o contrário... e quero elogiar-te por teres dado momentos de felicidade ao Raposo, por tratares dele, por te preocupares... esteja ele onde estiver, recordará-te sempre por isso e pelo afecto que lhe ofereceste! beijinho enorme**

Elise disse...

Querida amiga, muitas vezes os afectos que criamos com os animais são mesmo, mesmo muito fortes. Eles sabem como entrar no nosso coração... Espero que um dia revejas o Raposo!

Abraço

Pamina disse...

Mais uma vez gostei muito do post.
Lembro-me frequentemente dos animais que passaram pela minha vida. Reconheci esse sentimento de angústia que se tem quando é preciso ir de emergência ao veterinário com um animal que se ama. Sofro sempre muito quando os meus cães ou gatos têm alguma coisa.
Neste caso específico, deve-se ter uma terrível sensação de impotência, uma vez que o animal "pertence" a outra pessoa.
Um beijinho.

Su disse...

gosto sempre de ler-te
....saudades....

jocas maradas

Leonor disse...

marota
mais uma vez como agradecer a tua linda dedicaçao. escreve, escreve sempre e muito. os teus comentarios sao de ouro.
beijinhos da leonor

Anónimo disse...

Um texto com intensidade e a saudade. Beijinhos.

Tino disse...

:)Senti a mesma saudade que tu sem fazer parte da história...não há muito mais a dizer...um beijinho :)

Antonima disse...

olá!!!
Agora ja podes mandar as fotos das tuas botas para: asminhasbotas.blogspot.com

Unknown disse...

Senti o olhar dele na doçura dos teus olhos. Amo-o através de ti, tanto quanto temo amar-te quando te visito.
Mas então senti a distância a aumentar cada vez mais, e vi o caminho sem regresso por onde ele caminhava, e soube que eu iria também caminhar por ele até ao longe.
E fiquei com saudade.

Belíssimo texto. Parabéns Menina.

bjs,

Crepúsculo Maria da Graça Oliveira Gomes disse...
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Crepúsculo Maria da Graça Oliveira Gomes disse...

Como me deu um arrepio ao ler este teu post é fantástico eu também tenho dois que são a minha alegria, que comigo partilham tudo desde as alegrias ás tristezas, um está a ficar velhinho já ouve mal e vê pouco porque as cataratas estão a fazer o seu estrago. Perder algum deles será como perder alguém muito meu que está ali para me dar, não se preocupa se eu dou ou n/ se eu n/ lhe ligo ele requisita a minha atenção, adoro os meus animais, fico sensibilizada com quem os respeita e estima como eu o faço.
Beijinhos doce amiga

maresia_mar disse...

Adorei a tua história mas fez-me ficar triste pois fez-me recordar aquele dia há 5 anos atrás quando o Snoopy foi à rua e nunca mais voltou, alguém o achou lindo e levou-o para sempre... Nunca mais conseguirei esquecer aqueles dias, corremos tudo à sua procura e ainda hoje recordo o seu olhar doce sempre que me via regressar a casa! Os animais são tão ternurentos e fiéis que deixam marcas eternas no nosso coração.Beijos

Anónimo disse...

Que jóia de crônica! e o que é melhor: não me parece, de forma alguma, fruto da imaginação, apesar de tão bem escrito. O que descreves são emoções vividas. Um beijo de afeto e respeito.

wind disse...

Texto comovente. Como te entendo. Os animais são amigos, sensíveis, leais, fiéis e fazem muita companhia.
Também tenho um cão que adoro e não sei o que acontecerá se ele me falat. Beijos

Anónimo disse...

:) vale qa pena nem q seja p relembrar esses momentos com saudade :)

Anónimo disse...

Há a família de sangue e há aquela que escolhemos, que não obedece a critérios de qualquer ordem ou sequer de espécie...E é assim, quando um desses elos desaparece é como se fosse uma das pessoas mais queridas. É fantástico aquilo de que o nosso coração é capaz, não é verdade? Um abraço!

Conceição Paulino disse...

os animais (outros, k Nn/ os ditos humanos) amam-nos icondicionalmente.Bjocas

Maria Clarinda disse...

Como senti e me comoveu...tantas recordações vieram à minha memória também, a Molly, a Sheila...os nossos melhores amigos são eles...os animais.
Uma joka

Manel do Montado disse...

Os animais sabem quem é verdadeiramente seu amigo e jamais o esquecem, nunca o trairão e darão a vida em troca do bem estar de quem os estima sem pestanejar. Menina, o que aqui contou mostra muito do que é como ser humano e está explicada muita da sensibilidade que inunda os seus escritos e os seu poemas.
Privilegiado é quem consigo priva e é destinatário de tanta grandeza de alma.
Ab imo pectore

Wakewinha disse...

Como deves imaginar, mais do que qualquer outro, este teu texto arrepia-me de emoção, e arrancou-me lágrimas... É muito complicado perdermos estes amigos! Bem mais, do que perder aqueles que falam por palavras connosco... Ainda assim eu continuo a preferir falar pelo coração e com os olhares! Ao Raposo, o melhor descanso, onde quer que ele esteja! A ti, um abraço terno que (infelizmente) nunca se comparará ao que de mais puro este teu amigo teve para te dar, porque isso é muito mais forte do que o que pode existir entre iguais...

Vagabundo disse...

estou aqui há 5 mnt, escrevo e apago, sem saber como o que escrever, o meu Vagabundo não está cmg há 2 anos, viu-me um ano após e foi como se nunca me tivesse deixado de ver. Desde então vejo-o frequentemente.
Obg pela lembrança e por tudo o que disséste aqui.

Bj Vagabundo

M.A. disse...

lindíssimo.


***

maat

Elsa disse...

tens de pensar que talvez tenha sido o melhor para ele...
eu sei como os cães são nossos fiéis companheiros.
bjs

Anónimo disse...

essa saudades de pessoas q cuidamos e não podemos mais cuidar...beijos doces amiga querida...

André L disse...

Transmitiste tão bem esses sentimentos como o carinho, gostar, cuidar, estimar, sentir falta. Oxalá, ele volte o mais rápido.
Bom fim de semana

Anónimo disse...

Aprecio muito a tua escrita que nos prende num fio de emoção. Só não aprecio a temática dos últimos dois post, mas isso é problema meu.
Beijos

Unknown disse...

Amiga! Hoje que estou particularmente sensível, conseguistes arrancar uma lágrima de meu coraçao com esta tua linda história de amor e amizade por um ser que muitos consideram "inferior"!
Parabenizo-te por tua bondade, por teu coraçao de eterna menina!
Um beijo e uma flor para ti, minha linda!

Isabel Filipe disse...

A amizade que os animais nos dedicam é deveras tocante...

tenho um casal de boxers...
que quase falam...

a cadela ja´está velhota... com reumático...não imaginas o que me custa vê-la cair redonda no chão...pois já tem muita dificuldade em se deslocar...

tem um bom fim de semana...

beijinho carinhoso

Anónimo disse...

Simplesmente adorei e não são precisas mais palavras. Bom fim de semana :)

xipsocial disse...

A companhia dos animais é um valor a que muitos (infelizmente) não dão valor!

FZ disse...

Como eu entendo este texto... A mim os animais sempre (desde que me lembro) me despertaram sentimentos positivos que alguns humanos raramente conseguiriam. Especialmente quando aqueles estão em situações de desamparo. Não é a toa que tenho 4 mamíferos lá em casa (não, não me refiro à família) e duas... turtles.

Há alguns meses, uma cadela, semi-adoptada por uns vizinhos, mas que vivia (gostava de) praticamente na rua, morreu de doença incurável. Foi uma grande tristeza para todos nós, uma vez que ela já me (nos) conhecia à distância sempre que me via chegar de carro e abanava-se toda por nós. Eu chegava a abrir as portas para a deixar entrar e ela comer e confraternizar com os meus "bichos". Era um autêntico membro da família. E se o meu cão (um Teckel menor que ela em tamanho) a adorava! Infelizmente há situações em que nem as melhores boas vontades podem alterar um certo estado de coisas...

Até ver Micas, onde quer que estejas.

Nilson Barcelli disse...

A história que nos contaste é comovente e linda.
Se todas as pessoas fossem como tu a humanidade não teria grandes problemas.
E os Raposos também não.
Beijinhos e bfs.

Anónimo disse...

Puxa, achei lindo o texto e de uma tremenda sensibilidade!
Aliás, quanto a isto (sensibilidade), pude constatar no blog "O meu animal", pelo comentário que fez à minha poodle!
Foi ótimo conhecer este espaço!
Voltarei outras vezes!
Bjs.

lique disse...

Comovente, aquilo que contas! Conseguimos por vezes uma interacção com os animais mais gratificante que com as pessoas!
Beijinhos

Dameuntango disse...

Que história linda!!!

Obrigado pelas palavras que deixou no meu blog...
Um bom fim de semana também.
Abraço

Blogexiste disse...

Simplesmente comovente!

LUIS MILHANO (Lumife) disse...

Lindo coração o teu.

Bom fim de semana.

Bjs

Pamina disse...

Um bom fds para ti.
Beijinhos.

LS disse...

o que dizer?!quem assim pensa e escreve não há mais nada a dizer, senão sentir e ler...bjs bom fim de semana

Peter disse...

Passei por aqui só para ouvir a música. Já tinha lido o texto.

Anónimo disse...

É espantoso a quantidade de amigos e comentadores que tens aqui...uma pessoa com tão um coração tão bonito como o teu bem merece! :-)

Beijito Grande
Adorei, para não variar, este post!

lena disse...

muita sensibilidade, fiquei comovida , tens um coração do tamanho do mundo , doce e meigo, onde cabe muito amor e ternura certamente
adorei ler
fica um bom fim de semana para ti num beijo meu
lena

Anónimo disse...

fiquei destroçado com a última parte, percebi logo o que tu querias dizer com esse desviar de olhar...tens um coração cheio de ternura e carinho, pelo que penso vais viver muito tempo porque e o que mereces, e também tens de passar essa fase! boa sorte, aqui tens um ombro para desabafar

Perola Granito disse...

Os leilões das nossas peças continuam. Está a decorrer o terceiro. Queres dar uma olhadela?
Beijinhos
Bom fim de semana.

isa xana disse...

gostei. tenho um amigo assim e muito sofrerei se o perder. fico longe dele uns dias e ja sinto tanto a sua falta. quando se atira a mim quando me vê deixa-me tao feliz

beijito

Anónimo disse...

Ficamos com o olhar deles sempre presente....diz um meu amigo que na ponte do arco iris ,eles estão sempre olhando:) O seu relato ou conto é enternecedor ,tal como o olhar desse meu amigo quando vê um arco iris .bjs annie hall do outsider

Anónimo disse...

mmarota

vim pelo luís, pela sulista, por aí... e dou contigo menina ... e só sei repetir o que li atrás:

"Se todas as pessoas fossem como tu a humanidade não teria grandes problemas."

fica bem

Zica Cabral disse...

adorei este teu post e fiquei de lagrimas nos olhos pensando no destino que deram a esse animal fiel e bom que nunca desejou mal a ninguém mas para quem os seres humanos foram tão crueis.
Faz-me tanta raiva que não amem os animais como eles merecem!!!!!!!!!!!!!!!!!Mas ainda bem que contigo passou horas de felicidade e de puro amor
beijinhos grandes
Zica

LUA DE LOBOS disse...

eu não tinha resistido... seria mais um cá em casa ::))
xi
maria

I disse...

que lindo é este teu texto. ja tive um caso assim:tratava-se de uma cadela , Lady.Foi no Alentejo e tb lhe tratei dos olhos, assim, com gotas de antibiótico.Um dia , após quatro anos de companhia diária, também "desapareceu"...sofri muito, muito e ainda hoje sofro pois sei o que lhe aconteceu e imagino o que passou, o mal que lhe fizeram

Raquel Vasconcelos disse...

Falaste dele como de uma pessoa... e isso é o lado mágico do teu texto, e é tb o lado mágico pq os pedacinhos em que estiveste com ele foram importantes. Quase chorei, eu que sou uma durona para tudo.

É esta capacidade de amar, de dar... que nos torna mais humanos.
Ainda que por vezes não me sinta incluída nessa vossa capacidade...