Olhei a Cidade desvirtuada. Já pouco existe da que outrora me acolheu, ainda adolescente, e da beleza que me encantava. Que resta do Porto que conheci?
Praça dos Leões - Porto (imagem antiga)
A lembrança do sol quente a bater-me no rosto enquanto estacionava o carro, fez com que não me apetecesse ficar naquele corredor frio.
Até porque me entristecia o olhar da jovem que "estacionara" a cadeira de rodas na minha frente e que me olhava séria.
Tentei sorrir-lhe, num sorriso tímido, algo envergonhado. Era bonita. Uns traços finos, nuns olhos negros, grandes, de longas pestanas. Os cabelos caíam-lhe pelos ombros, castanhos, sedosos.
Ela continuou a olhar para mim e, de repente, diz-me:
- Está sol lá fora. Não te fazia bem passeares um pouco?O meu coração disparou. Ela tinha lido o meu pensamento. Sorriu-me. Libertei o meu sorriso e retribui-lhe.
Ficámos as duas olhando-nos, sorrindo…
– Vai lá…Abandonei o corredor cinzento e frio de encontro ao sol.
- Vai lá…Encarei o sol. Como é bom senti-lo.
Ao descer a escadaria do hospital, o sol inundou o meu corpo e a minha alma.
- Vai lá…E fui… ao encontro de uma cidade que, não sendo minha por nascimento, aprendi a amar.
Há quantos anos os meus passos não me levavam por aquelas ruas?
Não reconheço quase nada.
Aquelas ruas que conheci tão bem em tempos estão completamente descaracterizadas.
O preço a pagar pela exigência de tempos modernos?
O Largo dos Leões já não é como o recordava quando o vi pela primeira vez, menina e moça. Perdeu toda a sua imponência. Modernices, penso nostálgica.
Não gosto do actual.
Detive-me logo ali à entrada de Cedofeita.
A minha paixão por miniaturas deixou-me pregada à montra.
A beleza de certas peças pequenas deixa-me fascinada.
Que mão, que dedos, que sensibilidade consegue construir tamanha beleza?
Perco conta aos segundos que ali estive, por isso voltei para trás.
Entro na Rua Sá de Noronha. O Solar Moinhos de Vento ainda ali está. Que saudades… aquela comida… a companhia… a alegria… tempos passados.
Na Rua das Carmelitas entro no meu "templo": a Livraria Lello.
A fachada neogótica sempre me impressionou mas o fascínio está no seu interior.
Sorrio para o cartaz do meu Poeta favorito.
Pessoa mantém-se impávido, alheio aos olhares que lhe deitam na subida da escadaria.
Gosto de sentir o cheiro dos livros, gosto da arquitectura, da suavidade da madeira trabalhada… gosto de relembrar os tempos em que aqui vinha e me sentava na escadaria, de nariz para o ar, admirando, até que alguém me dizia:
- Menina, não pode estar aí!Sorria sempre, malandra.
- Pois não posso. Mas adoro!Paguei o livro que escolhi e voltei a encarar o sol.
Não resisti à montra do início da rua.
Os meus olhos deviam brilhar, quando entrei no corredor cinzento e frio.
Uma voz diz-me:
- Onde foste? Demoraste!Mostrei o embrulho.
- Cometeste alguma loucura. Pelo teu olhar…Não é tão bom cometerem-se loucuras num dia de sol?
Num relance, procuro a menina dos olhos negros. Já não estava lá…
(Hoje recordei-me deste dia…)