O sol entra esplendoroso pela janela envidraçada do meu quarto, dando um tom misterioso ao aposento… afasto o lençol e deixo-me estar assim quieta.
Uma verdadeira sinfonia entoa através da clarabóia aberta, produzindo em mim um efeito maravilhoso.
De um salto, corro a abrir as portadas do terraço e descalça, percorro o espaço e deito-me na cadeira de repouso.
O trinado do melro continua muito mais alto, que qualquer outro.
Parece que ele percebeu que estou ali para o ouvir…De repente, atrevido, pula de telha em telha e, aproxima-se do beiral.
Eu continuo quieta. A cor clara do meu pijamita, parece chamar-lhe a atenção. Ou seriam as minhas pernas nuas? Ele deixa-se estar a cantar para mim. E eu deixo-me estar, a ouvi-lo.
O sol continua a sua rotação, embalada pelos trinados, divago nos meus pensamentos.
A calma do amanhecer liberta os meus sentidos e revejo-me como num filme a cores… o passado já não me dói… o presente apesar de tudo sorri-me, e o futuro está ali, no prazer de apreciar as pequenas coisas que a vida me proporciona.
Um poema, que li recentemente povoa o meu espírito…
“Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só a metade
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado
O logro da aventura
És Homem, não te esqueças!
Só é a tua loucura
Onde, com lucidez, te reconheças."
Poema de Miguel Torga
É hora de recomeçar o dia a dia… sorrio para o melro, que levanta voo, como percebendo que tinha cumprido a sua missão…serenando o meu espírito…corro liberta, sentindo-me feliz…
(memórias minhas...)