Conhecera-a numa reunião de amigos. Ela era como se fizesse já parte do mobiliário.
O seu sorriso afável, a voz doce, o cabelo cinzento que lhe conferia uma maturidade, que a Vida, nas suas próprias palavras, lhe tinha ofertado.
No nascimento da minha filha, foi uma das primeiras visitas que tive.
Na mão levava um grande ramo de tulipas de todas as cores e no olhar a transparência da sua alma.
Olhou bem dentro dos meus olhos e disse-me naquela entoação doce que nunca esquecerei:
- Tens uma filha linda. Sabes, os filhos são a coisa mais importante que a Vida nos pode oferecer. Por eles fazemos os maiores sacrifícios.
E tirando uma tulipa do ramo, colocou-a na minha almofada, ao mesmo tempo que dizia que era das flores que mais gostava. Porque não tinham espinhos e eram resistentes e frágeis ao mesmo tempo.
Recordo que, de todas as flores que me ofereceram naquele dia, as tulipas foram as que mais tempo duraram…
De vez em quando as nossas vidas cruzavam-se, até porque a distância entre as nossas casas era curta.
Tive ainda o privilégio de receber tulipas de suas mãos aquando do nascimento do meu segundo filho.
E, de repente, deixei de a ver. Isolara-se do mundo mortificada pelo desgosto de, mais uma vez, ter sido trocada por alguém muito mais jovem que ela.
Os meses foram passando e nunca mais soube dela!
Não sei o tempo que já tinha decorrido, quando inesperadamente a encontrei. O mesmo sorriso, a mesma voz doce, só o cabelo é que mudara, o cinzento tinha dado lugar a um branco de neve.
Instintivamente, passei-lhe a mão pelo cabelo…
- Que lindo… tão branquinho… – exclamei.
- Pois é… a Vida oferece-nos disto… – a sua voz era fraca.
O chá foi gradualmente arrefecendo nas chávenas, enquanto conversávamos naquela tarde. E conheci-lhe a história.
Os filhos tinham sido a sua única felicidade. Tinha mantido o casamento para não os prejudicar e preservar a imagem que o marido gostava.
Queria esperar pelo momento oportuno para conseguir a sua liberdade. Talvez um dia Deus fosse bondoso com ela.
Voltara, porque o filho mais velho lhe pedira. O pai estava doente e tinham-no deixado só. O orgulho feminino dizia-lhe para não voltar, mas o amor aos filhos e à sua estabilidade emocional foram mais fortes.
Os tempos que se seguiram tinham sido difíceis, mas o sofrimento de anos tinha terminado. Naquele dia fazia precisamente um mês que ele fora a enterrar.
O relato caiu em mim fundo. E trouxe-me memórias.
Abri-lhe o meu coração e esvaziei a minha alma.
A serenidade das suas palavras, foram um bálsamo em mim.
- Não te arrependas nunca das tuas decisões. A tua Paz interior é o que te fará sobreviver neste mundo tão complexo.
Quando nos abraçámos, o seu olhar era cheio de ternura.
Esta foi a nossa última conversa.
Guardo na memória o seu sorriso e a sua voz tão tranquila.
Hoje, finalmente, encontrou a Liberdade e ficou em Paz.
Levei-lhe flores na despedida…
Tulipas vermelhas.