quarta-feira, março 05, 2014

Borboletas

Fechei o livro lentamente.  

Há muito que não lia o autor. E gosto verdadeiramente do que escreve, mas a vida é assim… às vezes de quem mais gostamos é que estamos deveras afastados.

O poema tocou-me, confesso. Trouxe-me memórias escondidas de sentimentos que imaginava esfumados. E borboletas soltam-se em desejos ignorados.


Ultimamente não tenho pensado em sentimentos ocultos, daqueles que queremos fingir não existirem, mas que estão lá na profundeza do ser.

Como aquele sentimento inexplicável de borboletas no estômago.

Com o livro ainda a meu lado, fecho os olhos. As borboletas esvoaçavam em meu redor, tocando-me calmamente o cabelo, o rosto, o corpo faminto de recônditos desejos, mãos invisíveis percorrem-me o corpo, fazendo-me sorrir.

Dentro do sonho o meu sorriso é outro. Como que iluminado por pensamentos que não escondo porque se manifestam no rosto visível, nas mãos que me tocam, nos lábios que me saboreiam a pele e na sensação quente que me percorre as veias. 

Adormeço no sonho.



BORBOLETAS

Noites sem sexo são perfeitas, também: janelas entreabertas,
sombras que passam na rua através das horas, relâmpagos
que não chegam a iluminar as paredes do quarto. Românticos
que se encontram depois de viver vidas paralelas, cansados

– mas enlaçados antes que chegue a hora de partir, sem saberem
se amanhã há outro sono igual, ou uma escolha para fazer.
Os dois sabem que são doidos, estendem os dedos na escuridão
entre as luas. Os dois sabem que mais adiante podem arder
de repente no meio do Verão, consumidos pelos segredos

e pela indiferença. Noites sem sexo são perfeitas, também;
e raras, e condenadas e incompletas. Borboletas no estômago,
batendo asas contra todas as paredes do corpo – não deixando
que ele adormeça, inquieto e insatisfeito, voltado para dentro

e para o passado. Românticos que se encontram quando nenhum
deles esperava outra oportunidade, outro caminho. Nunca estamos
preparados, diz um. Nunca estamos, repete o outro, quando
a primeira borboleta sossega depois de um beijo em dívida.

Poema de Francisco José Viegas, in "Se me Comovesse o Amor", 

pág. 36, Edição Quasi