sexta-feira, janeiro 27, 2012

Interrogação

Pintura de Natalia Bazhenov



   Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.

Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.

Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.

Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro a olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.

Eu não sei se é amor. Será talvez começo...
Eu não sei que mudança a minha alma pressente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.



Poema de Camilo Pessanha, in "Clepsidra", pág.31

quarta-feira, janeiro 18, 2012

Blogs do ano 2011 - uma ideia do Aventar

 Imagem do logótipo do Aventar



Há quem acredite que as redes sociais vieram retirar o lugar e o interesse pela Blogosfera.

Pela parte que me toca, não obstante em tempos ter aderido a uma rede social, o bichinho da blogosfera está patente nos seis blogues que vou actualizando, de tempos a tempos, e das visitas que faço a blogues amigos quando a saudade, de os ler, aperta.

Numa das minhas viagens, sem rumo certo, pela blogosfera, deparei-me com o perdido caminho do blogue
Aventar que há muito não visitava e que está com um interessante concurso e nas suas próprias palavras não é mais do que: "O Aventar organiza pela primeira vez um concurso de blogs com o objectivo de promover e divulgar o que de mais interessante se faz na blogosfera portuguesa e de língua portuguesa. É um concurso aberto a todos os que queiram participar."Pena foi que quando descobri este concurso as inscrições para o mesmo já tivessem encerrado em 13 de Janeiro porque teria alguns nomes a indicar de blogues ou audioblogues para inscrever. Quem sabe se para o ano, se por cá ainda continuar, não faça a surpresa de inscrever muita gente.

O concurso está dividido em várias secções e desde política, a desporto, passando pela arquitectura, artes visuais, humor, erotismo, etc. etc., blogues individuais e colectivos, temos blogues para todos os gostos.

Convido-vos a visitarem o
Aventar porque irão descobrir muitos nomes conhecidos e descobrir muitos que desconhecem provando que, afinal, a Blogosfera está vida e de saúde.
E já agora… Votem!

terça-feira, janeiro 17, 2012

Aloés

Imagem daqui


De dezembro a fevereiro os aloés
florescem à beira das estradas.

Têm hastes longas presas aos cactos.
Cleópatra, dizem, utilizava-os para dar à pele
a beleza macia que entontecia os homens.
É por isso que nos fascina a sua cor
fortemente igual às laranjas antigas.
É por isso que há mulheres rendidas
aos poderes dos bálsamos obtidos das flores.
É por isso que se acredita na minuciosa
utilidade de lhes extrair o sumo,
o tónico, o gel e tantas outras coisas
que prometem a juventude eterna.
Como se não fossem perversos
os desígnios da morte.


Poema de Graça Pires

De  A incidência da luz, 2011

quarta-feira, janeiro 11, 2012

Como escrever o dia

Como escrever o dia
em que as casas
cresceram
para dentro do ventre da terra
e os homens declinaram
e os miúdos riram
e as mulheres se agarraram
aos pilares voláteis das chaminés
como quem procura
o chão?

Como descrever o movimento
contínuo
das árvores a vogarem
a terra com os braços em remo?

Como descrever o negativo interno
das ruas
o sustentável desequilíbrio
das coisas e dos seres
de pernas para o ar
caídas de espanto
na vala paradoxal do tempo?
Como descrever
a noite que golpeou
o estado do dia
a dor
que perfurou
o corpo

o corpo que mergulhou na terra?


Poema de Vanda Baltazar



(Desligar a música de fundo para ouvir o vídeo, p.f.)

segunda-feira, janeiro 02, 2012

Epitáfio

De mim não buscareis, que em vão vivi
de outro mais alto que em mim próprio havia.
Se em meus lugares, porém, me procurardes
o nada que encontrardes
eu sou e minha vida.

Essas palavras que em meu nome passam
nem minhas nem de altura são verdade.
Verdade foi que de alto as desejei
e que de mim só maldições cobriam.
Debaixo delas a tradição se esconde,
porque demais me conheci distante
de alturas que de perto não existem.

Fui livre, como as águas que não sobem.
Pensei ser livre, como as pedras que caem.
O nada contemplei sem êxtase nem pasmo
que o dia a dia
em que me via
ele mesmo apenas era e nada mais.

Por isso fui amado em lágrimas e prantos
do muito amor que ao nada se dedica.
Nada que fui, de mim não fica nada.
E quanto não mereço é o que me fica.

Se em meus lugares, portanto, me buscardes
o nada que encontrardes
eu sou e minha vida.

Poema de Jorge de Sena




(Desligar a música de fundo para ouvir o vídeo, p.f.)