domingo, maio 29, 2011

À MESA DO AMOR



Bebo este café que as tuas mãos
me oferecem. Sabor de todas as mães ainda grávidas,
leite de lava vegetal, esplendor negro
no fruto branco do olhar.
Hoje é um dia igual a dias tão iguais,
café nos lábios, sol lavado, uma leitura,
jornal e poema. Oposição clara dos olhos à celebração
do corpo. Tomo este café
num tempo de obscuras certezas, de claríssimas dúvidas,
o tronco inclinado para o dia,
a voz merecendo-se, o peito em busca de respostas.
Uma palavra jovem, imediata, livre,
reúne todos os meus ossos. A língua desce
os degraus do açúcar. Sorvo a sorvo,
identifico-me, saúdo-te.

À mesa do amor.

Poema de Joaquim Pessoa in À Mesa do Amor (1994)
Ilustrações de
Isabel Mendes Ferreira


Imagem de Alaya Gadeh

sexta-feira, maio 13, 2011

Manuel António Pina é o vencedor do Prémio Camões 2011.


Há muito que sigo os passos de Manuel António Pina na escrita. Esta crónica e este poema publicados em épocas alternadas nos meus blogues são uma pequeníssima amostra da imensidade da sua obra e que eu já divulguei, igualmente, noutros locais.

O Prémio Camões é o maior prémio literário de língua portuguesa e foi atribuído por unanimidade por um júri constituído por seis elementos num tempo de atribuição record, já que a decisão, ao cabo de pouco mais de meia hora, foi consensual.


Parabéns, Manuel António Pina!




O Pássaro da Cabeça

Sou o pássaro que canta
dentro da tua cabeça
que canta na tua garganta
canta onde lhe apeteça

Sou o pássaro que voa
dentro do teu coração
e do de qualquer pessoa
mesmo as que julgas que não

Sou o pássaro da imaginação
que voa até na prisão
e canta por tudo e por nada
mesmo com a boca fechada

E esta é a canção sem razão
que não serve para mais nada
senão para ser cantada
quando os amigos se vão

E ficas de novo sozinho
na solidão que começa
apenas com o passarinho
dentro da tua cabeça.

(Poema de
Manuel António Pina
in "Carta a um jovem antes de ser Poeta")



Art de Youji Takeshige

sábado, maio 07, 2011

Sentires

Desenho-me
rosto rubro do sentir
átomo da existência
mar aberto
de ondas calmas
meu encantamento.

Desenho-me
na foz do entendimento
algas marinhas
entre corais e
pedras brancas
submersas de espuma
meu pensamento.

Desenho-me
na brisa do poente.


(desligar, por favor a música de fundo, para ouvir o vídeo)