sexta-feira, dezembro 31, 2010

Novo Ano...

Um ano se passou desde que vos deixei o meu sentimento nestas palavras…E, pontualmente, todos os meses, acarinhei este local como se vos afagasse directamente, independentemente do rasgar do tempo, por vezes, me impedir de ser assídua nas vossas casas.

Começar um novo ano é termos a certeza de que estamos vivos e partilhamos este Mundo com tudo o que de bom e mau ele nos oferece.

Nada mais vos posso oferecer a não ser o meu afecto e, sem dúvida, tudo aquilo que vou escolhendo para partilhar convosco, quer sejam as minhas palavras e sentimentos, quer sejam de outros.

Que o novo ano seja de paz, esperança e, acima de tudo, de afectos partilhados na procura de um Mundo melhor.


Do coração vos desejo…


Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só a metade
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado
O logro da aventura
És Homem, não te esqueças!
Só é a tua loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

(Poema de Miguel Torga in Diário XIII)

sábado, dezembro 18, 2010

Natal.



Porque a época Natalícia traz-me sempre recordações de infância, o cheiro dos doces que invadiam a casa, o colorido e o sabor de tantas outras iguarias que enchiam de brilho o olhar dos mais novos, as recordações muito mais fortes e presentes de quem já partiu, os lugares que ficam vazios e que mais ninguém conseguirá substituir…

Natal é nascimento… daquilo que sempre se deseja que melhor aconteça a toda a Humanidade.

É esquecer sofrimentos e deixar que o brilho das luzes, por algum tempo, ilumine ruas escuras, onde olhos envergonhados se escondem por debaixo de mantas e jornais aquecendo-se do frio da noite.

Mas é também tempo de Paz, de esquecimento de mágoas, de perdoar corações empedernidos pelo acumular de razões que a própria razão desconhece.

É um tempo de partilha, de comungar emoções, de estender a mão a outra mão e, juntas, se abraçarem.

É Natal. Mais um na minha e na vossa Vida.


A todos

 


Otília Martel

terça-feira, novembro 16, 2010

Marginal...

"…Desenganem-se, no entanto, os que estão à espera de um livro de cantigas. Claro que elas, as cantigas (ou os seus poemas), também aqui se encontram, parte integrante e superiormente digna do percurso do seu autor. Mas essencialmente este é um livro - um belo livro - de poesia.

Não vale a pena buscar-lhe as referências, que esta é uma poesia que se estende pela rota das lutas, dos afectos, das ideias, tornando-se universal sem nunca perder o sabor a mar…” lê-se na contracapa de “Marginal (poemas breves e cantigas)" em excerto do Prefácio de Viriato Teles que me comove quando a dada altura diz: "… 


Este livro mistura textos escritos em épocas diferentes o que acentua, em vez de sacrificar, a unidade do conjunto: a poesia, quando é verdadeira, sobrevive a todas as épocas. Uma referência ainda para esta edição: ao que sei, ela deve-se também, em boa parte, à persistência do João Balseiro e do Geraldo Alves. Os amigos, uma vez mais, e sempre. 

Vidas e cantigas e poemas, como deve ser. Bem hajam por serem teimosos e não desistirem, mesmo quando os ventos não estão de feição – e lá estou eu outra vez a marejar a linguagem. 

O Vieira da Silva merecia este livro há muitos anos. Fazê-lo, agora, é apenas uma questão de justiça elementar. E já não é pouco. Agora, só podemos ficar à espera de mais. …"

Imagem de Claudio Capobianchi  



canção de mágoa


tantos sonhos esquecidos
perdidos no pó da estrada
tantos dias tantas noites
à espera da madrugada

o que foi feito de nós
companheiros de viagem
que é da nossa liberdade
feita de fé e coragem

vai-se o tempo e nós aqui
adormecidos no cais
entretidos com o medo
de já ser tarde demais

teimosamente morrendo
por detrás desta janela
a fingir que somos livres
com um cravo na lapela.


de, Vieira da Silva
in, Marginal (poemas breves e cantigas), pág.87
ed. MC – Mundo da Canção, 2ª. Edição, Junho 2010


Imagem da capa do livro

E uma excelente lembrança para o Natal que vem aí.

quarta-feira, outubro 27, 2010

Tanta Gente, Mariana

"Maria Judite de Carvalho, feiticeira secreta da solidão" dela escreve Urbano Tavares Rodrigues no final do Prefácio que assinou nesta tão esperada reedição de Tanta Gente, Mariana:

"…Há também na obra de Maria Judite de Carvalho desde o começo uma poética dos títulos, que aliás não é alheia a uma certa poesia da sua escrita, detectável em certas imagens que vibram na economia, que não é secura, dos eventos e dos diálogos.
Tanta Gente Mariana é, de certo modo, um retrato interior da mulher ao mesmo tempo meiga e arisca e tão secreta que eu profundamente amei e sempre admirei."


Foi com emoção que li o Prefácio da reedição de um livro que já li apaixonadamente por diversas vezes e cada leitura é uma nova revelação para mim…

Capa da nova reedição


“… Uma noite dos meus quinze anos dei comigo a chorar. Não sei já qual foi o caminho que me conduziu às lágrimas, tudo vai tão longe, perdido na fita branca do passado. Só me recordo de que o pai me ouviu e se levantou. Sentou-se ao de leve na borda da minha cama, pôs-se a acariciar-me os cabelos, quis saber o que eu tinha.

- Estou só, pai. Não é mais nada. Dei porque estava só e isso pareceu-me… Que parvoíce, não é? Estou agora só! E tu então?
Tentei rir a tapar-me, já arrependida da franqueza, mas ele não colaborou e isso salvou-o da raiva que eu havia de lhe ter na manhã seguinte. Não se riu e a sua voz, quando veio, era muito doce, quase triste.

- Também deste por isso – disse brandamente – Também deste por isso. Há gente que vive setenta e oitenta anos, até mais, sem nunca se dar conta. Tu aos quinze… Todos estamos sozinhos, Mariana. Sozinhos e muita gente à nossa volta. Tanta gente, Mariana! E ninguém vai fazer nada por nós. Ninguém pode. Ninguém queria, se pudesse. Nem uma esperança.

- Mas tu, pai…
- Eu… As pessoas que enchem o teu mundo não são diferentes das do meu… No fundo é muito provável que algumas delas sejam as mesmas, mas aí está, se fosse possível encontrarem-se não se reconheciam nem mesmo fisicamente…
Como havemos de nos ajudar? Ninguém pode, filha, ninguém pode…

Ninguém pôde.
…" (excerto)

A reedição de Tanta Gente, Mariana já se encontra à venda.


Uma bela prenda para o Natal que se avizinha

domingo, outubro 17, 2010

António Ramos Rosa

Fotografia pessoal tirada pela MM


António Ramos Rosa completa hoje 86 anos de Vida.

Por tudo o que nos ofereceu através da sua Poesia é, na minha opinião, um dos melhores Poetas Portugueses contemporâneos vivos e já viu o seu nome apontado como candidato ao Prémio Nobel da Literatura.

O vasto património poético que possui honra a Língua Portuguesa.

Hoje digo-lhe como é importante para mim a sua Poesia e como o amo pelo Ser que é.


Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração.

Poema de António Ramos Rosa,
in Viagem através duma Nebulosa, 1960,
"O Poeta na Rua", pág. 29.”



Parabéns, POETA


Imagem: para além do Poeta, encontrava-se presente Helena Domingues, minha Amiga e grande admiradora do Poeta

sexta-feira, outubro 08, 2010

Convite...

O mundo virtual juntou-nos e criou entre nós uma empatia a que a sensibilidade e cadência das suas palavras não é alheia.

Apesar de se encontrar a viver na Alemanha manteve um elo permanente com a Língua Portuguesa e a vivência desses dois mundos tão diferentes sente-se no sentimento que se lê nas palavras que nos oferece:

a Sensibilidade

"tem a leveza do ar
a transparência das
águas do meu mar

por vezes leva-me a sonhar
uma dança não anunciada

por vezes leva-me a chorar
uma lágrima não pronunciada




…"(excerto)

 (clicar para aumentar a imagem)


Ler Maria do Rosário Loures é sentir a sua alma, que se mostra nua e transparente, quase como uma criança, revelando as emoções do seu quotidiano.

Em terras germânicas a sua poesia começa a ser editada a partir de 1996 pela revista de literatura da Francónia “WORTLAUT”

seguindo-se:
1997 - a revista de arte SIGN 7 publica onze poemas com um portrait da autora;
1998 - livro de poemas “Atlantikblau und Olivengrün” na editora Dr. Bachmaier Verlag, Munique, com a apresentação do mesmo como obra principal da editora na Feira Internacional do Livro de Frankfurt e mais tarde na Feira Internacional do Livro de Leipzig”; inúmeras apresentações do livro pela Francónia e na velha Universidade de Erfurt;
2000 - antologia “Pegnitzrauschen”, pela editora Fahner Verlag, Lauf a.d. Pegnitz
2002 – antologia “Pegnitzrauschen, zweite Welle“ da mesma editora.

É com muita alegria que vos anuncio o lançamento em simultâneo de dois livros no próximo dia 16 de Outubro, pelas 18 horas no Hotel Real Palácio / Galeria Prova de Artista à Rua Tomás Ribeiro, 115 em Lisboa

"Um Sumário da Minha Vida no Século Passado", com apresentação da obra e autora a cargo do Dr. Cruz Pereira.

Bilingue “Atlantikblau und Olivengrün/"Do Atlântico Azul ao Verde das Oliveiras", igualmente com apresentação a cargo da Dr.ª Manuela de Noronha Viegas.



(clicar para aumentar a imagem) 




Contamos consigo

Apareça!


sexta-feira, setembro 24, 2010

Remanescência de Vida...

Imagem de Marina Filipovic



Na suavidade da música que, como espuma,
toca a areia mansamente e permanece no ar,
lentamente, espraio o olhar, no momento em
que sinto a brisa do vento o meu corpo beijar.

De coração descalço de sentimentos amorfos
corro através do campo verde da minha alma
que se confunde com a fresca aragem do mar
que domina devagar o meu corpo e me acalma.

Prossigo nas asas do sonho, entre nuvens e terra,
na fragrância que se espraia para lá do impossível,
toca os sentidos da minha memória que se desnuda

na pulcritude etérea do firmamento onde nada e tudo
é possível, (a profundeza do sentimento remanesce),
no exacto momento que o pensamento se pensa mudo.



(Memórias de mim...)





terça-feira, setembro 21, 2010

Porque hoje é... Outono

Imagem de Paul Boychenko


Um dia de Verão

Eis então o último dia de Verão. Faltam nove meses até ao próximo dia de Verão. Amanhã já se pode dizer oficialmente que se tem saudades do Verão e ele nunca mais vem. Mas hoje não. Hoje é um dia de Verão. Amanhã começa o período de compensações e prenúncios chamado Outono, em que nos serão devolvidos os dias de Verão que nos foram roubados, apresentados uns esboços do Inverno que aí vem e, nos intervalos, dar-nos-ão os dias inequivocamente outoniços que são cada vez mais difíceis de encontrar

As vindimas roubam ao Outono as uvas onde o Verão está escondido e levam-nas para lugares cobertos onde o Verão será liquefeito e prolongado, melhorando, bem protegido, enquanto as tempestades ou as brisas ou seja lá o tempo que for batem lá fora.

Gosto muito de ver chegar as uvas Malvasia e Ramisco à Adega Regional de Colares. É como assistir ao salvamento do Verão. Todas as frutas de calor já foram comidas. Agora vêm as que são para beber e ficam com o nome 2010. Sente-se que o tempo em ambos os sentidos, de tempo a passar e de tempo-clima, reúne-se num só tempo, explicando por que usamos a mesma palavra para duas coisas aparentemente tão diferentes. O vinho explica a ligação entre a meteorologia e a cronologia.

É pena não se celebrar os últimos dias das estações. A partir de amanhã haverá dias que "parecem Verão", mas hoje é mesmo um dia de Verão e é assim que tenciono passá-lo, deixando os choros e os até-que-enfins para o Outono.


de,  Miguel Esteves Cardoso in Público de 20.10.2010

terça-feira, setembro 07, 2010

Olhos de chuva...


Pintura de Estall



Quando em mim
o céu se faz nuvem
o mar
voz dos barcos que partem do cais

e as estrelas do firmamento
velas flutuando
ao sabor das marés

meus olhos
são chuva miudinha
que cai
embalando as ondas
uma a uma
na praia dos meus sonhos e
se espraiam a meu pés.

terça-feira, agosto 24, 2010

O silêncio: lugar habitado.





Aqui, olhando as pessoas ao acaso,
vêm-me à lembrança aqueles dias
em que os nossos olhos se ajustavam
e tu lias, em voz alta, os autores
da nossa preferência.
Recordo isto, como um tempo
em que os pássaros vinham,
em grandes círculos, sobrevoar
a imprevisível alegria,
tecida por nossas mãos,
para iluminar, sobre a mesa,
as flores tardias de maio.

De
Graça Pires 
in, "O silêncio:lugar habitado" a págs.11

sábado, agosto 07, 2010

Música da Natureza...

Pintura de Michael Garmash



Sorri minha alma no leve toque dos sentidos
que, como um rio, corre nas minhas veias,
em sensações arrebatadas pelo afago do vento
que na extensa planície meu olhar incendeia.

Sorri meu corpo na ternura do momento em que
se funde o pensamento na beleza que me rodeia.
No calor da pele abraçada pelo sol, a natureza
vibra, na cumplicidade do sentimento que me enleia.

Não temo o amor, nem a morte, se ambos
vierem devagarinho levando-me em sonhos
de carícias e a Lua se esconder no meu olhar.

Sob as pétalas da noite desliza o orvalho
em cascata de rios como lágrimas de amor
que cantam melancolias na música da Natureza.

domingo, julho 25, 2010

Lembranças...




Tico, tico
teco, teco

era o jogo
que fazia
quando era ainda
menina.

Elevo meu pé
no ar,
rodopio
em volta de ti
dou-te um beijo
na ponta do nariz
e tu
sorris para mim.

Tico, tico
teco, teco

agora que sou crescida
rodopio nos dois pés
e sorrio para ti.




(Poema dedicado ao Papá em memória dos meus tempos de Menina)

quarta-feira, julho 21, 2010

Sintonia...


Fotografia de Suren Manvelyan



Há no movimento de cada flor
uma música que permanece no olhar
como um beijo de alma apaixonada.

Há na beleza do ritmo de uma ave
a magia bela e segura como o amar.

Há no sentimento partilhado a ternura
de um abraço como musica que nos embala.

E há na sintonia da cor um mistério glamouroso
qual dança que nos enfeitiça e avassala.

sexta-feira, julho 09, 2010

Olhar dentro da alma...

o meu fiel Sting...


Estirada numa das cadeiras do terraço depois de todas as lides primárias domésticas serem tratadas, tais como... as plantas, os peixes, o passeio matinal, os pássaros, as roupas, etc, etc... descansei na frescura que, a esta hora, ainda desfruto num dos lados da casa e, de olhos semicerrados, olhei para dentro de mim.

Olhei... não com o olhar que miramos quem passa, ou reparamos nas folhas que se agitam, para lá da verdura que a vista alcança, mas com aquele olhar refinado que vê para além de todas as coisas.

Gosto de olhar para dentro de mim, de vez em quando, descobrir coisas esquecidas...como aquela vez que mergulhei vestida em pleno Outubro nas "Cascatas do Tahiti", quando passeávamos através do Cabril, no Gerês, para ganhar uma aposta e perdi uma das minhas sapatilhas preferidas. Mas valeu a pena...e fez sorrir a minha alma.

Há muito que não olhava bem o meu interior e, verifico agora, que poucas alterações sofreu, não obstante o "tempo" de chuva e sol, alternado por nevoeiros densos e constantes, abalassem a minha estrutura física.

Continuo a "rapariguinha franca e ousada" que não se deixava intimidar por circunstâncias adversas; o elo de ligação ao mundo exterior continua inviolável e inquebrável.

Sorrio...

Sorrio, porque sou frágil em tantas coisas, parece que, por vezes, tudo se quebra à minha volta, como um espelho para onde se atirou uma grande pedra e se desfaz em mil pedaços.

Mas não é assim... o meu lado frágil e sensível continua aliado ao outro, talvez herdado de gerações anteriores, forte, saudável, lutador, rindo-se das suas próprias fraquezas e com uma ânsia tremenda, de ver e sentir, o lado positivo da Vida.

E é neste instante que olho para lá de mim, para a força do mar, o verde esperança da vegetação que abarca o meu olhar, como um pulmão onde o ar se vai renovando a cada ciclo que a minha memória vai buscar nos recônditos do meu Ser e recordo como um dia me impressionaram as palavras de Oscar Wilde:

"As pessoas cujo desejo é unicamente a auto-realização, nunca sabem para onde se dirigem. Não podem saber. Numa das acepções da palavra, é obviamente necessário, como o oráculo grego afirmava, conhecermo-nos a nós próprios. É a primeira realização do conhecimento. Mas reconhecer que a alma de um homem é incognoscível é a maior proeza da sabedoria. O derradeiro mistério somos nós próprios. Depois de termos pesado o Sol e medido os passos da Lua e delineado minuciosamente os sete céus, estrela a estrela, restamos ainda nós próprios. Quem poderá calcular a órbita da sua própria alma?" 
" in "De Profundis"


Hoje, olhei para dentro da minha alma.

Já olharam para dentro da vossa?

Um abraço




Texto escrito na Quinta-feira, de 13 de Agosto de 2009

domingo, junho 20, 2010

Sentidos de Vida

Pintura de Jacob Collins


Se tenho dois pés
para caminhar por caminhos floridos
ou serras agrestes e sinuosas

duas mãos para segurar tudo aquilo que quiser,
menos o tempo que passou,
mas que delas me sirvo,
para afagar, comer e escrever

um coração a bater,
num corpo que estremece, a cada lágrima que vejo
nas crianças sem sorrir, nos pobres a pedir,
nas mulheres maltratadas, nos animais abandonados,
nos cegos que caem nos passeios por arranjar
que, de tão estreitos serem,
nem uma cadeira de rodas lá pode permanecer

se tenho uma alma que acredita
num Deus que criou um dia o Universo,
e o fez à sua imagem e semelhança,
dando-nos as quatro estações do ano,
para que tirássemos o proveito de sentir a música da natureza,
as cores das flores, o sabor dos frutos,
a sensação do mar no nosso corpo a bailar

se tenho dois olhos e com eles vejo o bem e o mal,
o poder destrutivo, a complacência de muitos,
o povo amordaçado das palavras que não diz,
os que sobem por caminhos errados
e os que descem aos infernos
por não serem seus aliados

se tenho uma boca que tanto serve para beijar
como para observar num grito de revolta
aquilo de que não gosta nas gentes egoístas
que, sem conta nem medida, oprimem os seus pares

se tenho um nariz que detecta o odor  
e me diz ser bom ou mau
o produto que eu quis

faço do ouvir o que quiser
e com ele ouço somente os sons da natureza,
a música das almas singelas,
a melodia que o vento traz em palavras amenas,
verdadeiras, livres de hipocrisias e cinismos
e com elas desenho a pauta dos sons
que a música me oferece
na junção de sentimentos e poemas
e louvo o génio bendito daqueles que,
na grandeza serena da vida, viveram.


Nota: Escrito ao som das Quatro Estações de Vivaldi,
na tarde de Sábado, 19 de Junho de 2010

quarta-feira, junho 16, 2010

Bloco de gelo...

Imagem de Marta Dahig


Ao início da tarde coloquei
um bloco de gelo no coração.

Deu-me fome e sede
recolheu-se a inspiração.

Fui ao frigorífico
peguei nos morangos
passei-os pela água gelada
que escorria do meu peito.

Numa taça de cristal os coloquei.

Reguei-os com champanhe
decorei-os com chantilly
e percebi, afinal, porque tinha colocado
a tal pedra de gelo a derreter
num local que habitualmente está a ferver.

Era um apetite voraz de sentir na boca,
não um beijo apaixonado, 
mas o saboroso paladar

de uns belos morangos 
carnudos e vermelhos.