domingo, setembro 27, 2009

Arco-íris da Vida…

 Imagem de Haleh Bryan


Mal toquei no jantar. Uma pequena dor atormentava-me, mas nem queria pensar nela.

Desligara o telefone onde estivera a falar com um dos pintores da exposição do Poem’art e a visita guiada ao Second Life até tinha decorrido bem e animada.

Mas enquanto colocava o jantar na mesa e chamava a Família uma pequena dor tirou-me de imediato a vontade de comer, mas nada disse.

Ajudei a deitar o JP, ainda dorido da queda de há dias, e fui para cima.

Hesitei, mas acabei por desligar o computador e quando me deitei a dor no peito era mais intensa.

Bem, pensei, isto deve ser nervoso e a tensão dos últimos dias… nada que uma boa noite de sono não alivie.

Mas a dor permanecia cada vez mais intensa e quando me arrancou lágrimas tentei chamar alguém mas a voz não me saiu; a pêra da campainha de chamada não estava no sítio quando a procurei e acabei por me encolher toda, puxando o lençol para mim.

A Rita e o Sting aos pés da cama, não se mexiam, contrariamente ao habitual, o que me levou a pensar que eles estavam a sentir que algo não estava bem.

De repente dei comigo a pensar na minha Família e nas consequências do meu desaparecimento. O JP ficaria bem; os meus filhos tratariam para que nada lhe faltasse de cuidados no futuro; os meus filhos são fortes, iriam aguentar o choque; dei comigo a preocupar-me com os meus cães…eles são tão apegados a mim; quando não estou eles nem saem do meu quarto! Que pensariam? Que os abandonei?

A dor continuava insuportável e cada vez me fazia aninhar mais, mas continuei com os pensamentos: uma carta no cofre, escrita há muito tempo e dirigida à minha filha, dava-lhe conta das minhas últimas vontades, até os códigos dos blogues, para ela lá deixar um último poema meu. 
De repente ocorreu-me: “e se ela se esqueceu da combinação dos números para abrir o cofre?” Seria melhor ir abri-lo, mas apesar do esforço não consegui levantar-me.

Lembrei-me então das duas únicas pessoas que estavam zangadas comigo ou eu com elas, já nem sei. 
Como gostaria de lhes dizer que apesar das nossas diferenças continuava a gostar deles e que a zanga afinal nem tinha razão de existir. 
Agora é tarde, pensei. 
Nem uma palavra lhes vou conseguir escrever. Sei que ela saberá, apesar de já não nos falarmos há tanto tempo, sinto que nos preocupamos uma com a outra. Ele, obstinado e teimoso, vai pensar que fiz isto para o massacrar: não é verdade. Afinal sempre lutei pelo bem dele… só que ele nunca o percebeu.

As lágrimas caíam-me e de repente mergulhei numa escuridão total.

Uma claridade imensa desperta-me, sinto que algo me limpa o rosto das lágrimas, abro os olhos e vejo o Sting olhar para mim com aqueles olhitos esperto e aos pulos por cima de mim atrai a Rita que corre para a minha mão que a afaga logo. 

Num pulo salto da cama e corro para o terraço; o Sol envolve-me e a dor da véspera tinha desaparecido. 
Toco em mim e começo a rir-me enquanto agarro o Sting que saltarica à minha volta e começo a dançar com ele.

Resolvi de imediato que tinha outras cartas para escrever e outras directrizes para deixar à minha filha. Afinal ela será a cabeça de casal da minha Família que, apesar de tudo, continua de pé.

São 10 horas da manhã. Apetece-me beber um café. A terrível dor no peito tinha desaparecido por completo e afinal estou viva, muito VIVA mesmo!



(Estes momentos foram reais. Aconteceram na noite de 25 para 26.

Acho que nasci de novo…)

sábado, setembro 19, 2009

Reciclagem

Pintura: Starry Night de Van Gogh


Entre o mar e o rio
não há lugar para promessas
dispersas entre grãos de areia
na invariável limpidez 
do inexplicável silêncio

O tempo entre cada margem é longo
e na passagem por elas
os barcos antecipam
 a voragem dos sentidos

Entre a noção e a razão
existe dor e silêncio
intenso 
como a dimensão do mar
terrível 
como a certeza do abandono

Como sal purificador
fluindo na seiva de nós
afastados que somos 
por sonhos diáfanos 
que se espelham
na incerteza da razão
- reciclagem de tempo-
perdido entre risos de veneno
mordidos língua a língua
consagrando 
o húmus da utopia

Reciclagem de sentimentos
tornada leve
como nuvens brancas de algodão.