domingo, fevereiro 25, 2007

A Tribo dos (In)conformistas do (A)mar

Óleo de Joseph Rolella


(...) Chamam-lhe tribo, uma tribo, não sei bem qual é a definição de tribo, mas adoro esse nome. Dá-me a sensação de liberdade, de Gente livre, de gente que gosta de viver, que sente a vida, que se sente.
Se no Português há uma palavra que não tem tradução, “Saudade”, no Inglês há uma outra que traduz sentimento, mas é enorme de alma, não de tamanho, Feeling.
As tribos são Feelings que transmitem saudades, claro de quem está e de quem esteve, sentimentos, conhecimentos e vivências.
A tribo que vos falo vive isolada, ao contrário do que possa parecer, dos seus movimentos, sempre diferentes, fora de rotinas.
As parecenças com os índios são enormes: qual é a primeira visão que se tem quando se fala num índio?
As suas pinturas, claro, os seus rituais de guerra, de paz, religiosos e espirituais.
A tribo do mar também se pinta, também tem a natureza como pano de fundo e como religião, galopam ondas sem fim, dropam movimentos de liberdade.
Não há selhas nem selas, só o dorso, não há esporas, só agilidade.
A espera também está presente, chamam-lhe mais paciência, esperam as ondas no seu SPOT, ou de outros lugares esperando o sete perfeito.
Há quem espere uma onda uma vida, há outros que a seguem pelo mundo, pelos oceanos, a vida inteira.
Seria estúpido se dissesse que muitos não as encontram, seria mesmo muito estúpido.
Esta é a minha maneira de ver, porque a onda perfeita está dentro de nós, é o que sentimos quando na ultima braçada fechamos os olhos e nos encontramos no LIP, quando os abrimos já pertencemos a uma outra realidade, o nosso corpo já não nos pertence, o nosso pensamento está suspenso, há um silêncio à nossa volta, só se sente o rasgar da água, a nossa visão perde-se por nós, não há cheiros, mas há um paladar, um sabor, sabe a mar, sabe a sal, sabe bem.
As tribos são vadias, vagueiam como as vagas.
Voltando atrás, à ultima braçada, quando fechamos os olhos, estamos no LIP, sentimos a força da onda, sentimos a prancha a ser tomada, o bottom a deslizar, por uma incrível força, quando pouco ou nada há a fazer, de um só pulo, em conjugação com os braços, que se jogam ao equilíbrio, os pés tomam o seu lugar no Deck, o corpo ganha forma, nas costas um Swell maravilhoso. Ondas, vagas, vadias, ondas que se tomam mas nunca se conquistam. São como o vento, como as tribos, livres, de tudo e de nada, mas o Drop, naquela onda, fica sempre aquela imagem e o seu sabor.
O ponto de equilíbrio que se descobre é igual ao nosso ponto de equilíbrio espiritual. Uma imagem Una e única, claro, aquele leque de água, aquele Tail Slide, que deixa na crista da onda no seu Lip, deitam mil gotas de sal que se evaporam no ar.
Aquela dança, aquele bailado, os riscos que deixa à sua passagem, riscos de espuma, pintados, numa tela em constante mutação, em perfeitos rabiscos que mudam de cor, como se fosse uma partitura de música, música para uma sinfonia cheia de cor, imagens e silêncios, aqueles silêncios que fazem os grandes momentos.
Naquele espaço, onde tudo vagueia, onde as tribos procuram rituais de prazer, onde os elementos se seduzem, vive a nossa profundeza, a nossa pureza, vive a fronteira entre o caos e a organização, onde a destreza da nossa mente vence a letargia do conformismo.
(...)

Carlos J. Barros in Vazio de Cores (Pág.37)


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quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Dispersões em espiral.

Como estão recordados resolvi partilhar autores que fui lendo através da blogosfera e que editaram as suas obras.
Alguns deles editaram em prosa, pelo que irei referir, aleatóriamente, aqueles que me deram a honra de partilharem comigo as suas publicações.

Fotografia de José Alberto Mar




A memória em espirais.Baús de teias e segredos. Desafios. Homens, mulheres, pessoas em mistificas idiossincrasias, papéis bolorentos, com cheiro a pergaminhos e nudezas atiradas para os sótãos onde tudo se guarda. Apenas a vida se esvai neles.

O mais profundo silêncio ouve-se.
[Os silêncios são a forma mais barulhenta de alguém se fazer ouvir]

Cores e sons do âmbito do alucinogéneo fazem-se também sentir. E ver.

[A ausência é a forma mais presente de alguém se manifestar]

Por isso estás tão perto. Pelo silêncio e pela ausência.

Como se de um redemoinho se tratasse, o pensamento espiral, ou em espiral atira-me para terras quentes, agora frias em busca de ti.

Sentes-me porque sinto que me sentes.
Eu adivinho-te nesta ausência. Sei-te aqui.

[Este saber não é apenas intuição. Palpa-se.]

Sabores de seios, aromas de peles, desígnios feitos olhos. Verdes/azuis. Ou cobaltos.
Ametistas de todas as cores povoam-me pensamentos e sentires.

[Sabes que as ametistas têm as cores que lhes quisermos dar?]

Sabes.

A Lua banha-me e banha-te. Estamos afinal à distância de uma Lua. Apenas.

[As Luas, todas as luas não têm distâncias. Estão dentro de nós]

Lábios desenhados (bem) carmesins/desejo buscam-me. E buscam-te.


[Sinto o calor do teu corpo]

Pudera. Está encostado ao teu!

[Sinto o teu desejo]


Vais senti-lo.


António José Pinto Correia in Insónias e afins (Pág. 57)



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sábado, fevereiro 17, 2007

Paisagens da mesma solidão

Imagem Daniel Coelho in Olhares.com


Ninguém me disse, um dia,
No escuro
Que há palavras que são sítios por dentro.

Ninguém me disse, um dia,
Que há noites que são quase lugares.
Paisagens da mesmo solidão,
Plena de outros lados:
As lágrimas principais.

Como ruas assim,
Que se existissem de tanto silêncio,
Seriam planícies de mais frias
E despovoadas,
Morrendo com tanta força que nunca
Se encontrariam no mesmo medo.

Porque no silêncio,
Há sempre o perigo de palavras às escuras
(onde tenho todas as ruas do mundo
À minha espera)

Duarte Temtem in o poema insone (Pág.29)

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segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Um Eu Feito de Tudo

Imagem de Jorge Castro


Nem eu sei bem que tenho em mim
que jeito tenha
neste querer de tudo querer levar a peito
e dou por mim ao rés do mar
contemplativo
num só instante embevecido de abandono

O que me turba nem é tanto a brisa leve
que me chega ao fim da tarde
redentora
É mais a cor
a invadir o ar que sorvo
quase-gracejo mesclado em sol e nuvens
e o mar
ventos de sal
em meu redor
um manifesto ou paleta de vontades
que a mim me fazem pertencer ao mundo todo

Assim me sei feito de tudo
junto ao mar
que nos traz sonhos reais como marés
e traz com elas conchas
algas
e até
o resto antigo de algum leme naufragado.


Jorge Castro(Orca) in "Contra a Corrente"(Pág.19)


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quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Alegria...

Imagem de Isabel Filipe


Hei-de comer a alegria às dentadas.
De manhã saboreá-la-ei
lentamente,
degustando.

e o seu gosto inebriante
desfar-se-á na boca e espalhar-se-á
por todo o corpo
com o gosto das penas de um pavão.
Cintilante.

Dar-lhe-ei dentadas
até a fazer rir às gargalhadas
com cócegas
e finalmente toda minha
e de todos
repô-la-ei, inteira
e esfuziante.

TMara (Conceição Paulino 
in,"As Tarefas Transparentes!(Pág. 18)



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sábado, fevereiro 03, 2007

Dois mundos...

"Partilhar para mim, não é só a dádiva de receber. É também oferecer aos outros, aquilo que me oferecem a mim.

Assim sendo, e porque é justo fazê-lo, vou prestar o meu agradecimento público a todos aqueles que tiveram a gentileza de, ao longo de dois anos, enviarem-me as suas publicações. 


A escolha é puramente aleatória. Depois de já os ter lido, empilhei-os em cima da secretária e vou-os referindo.", dizia num outro local, a propósito da partilha que vos oferecia.

Continuando com o propósito a que me dispus no início deste ano, partilho mais uma poeta…

Imagem de autor desconhecido

Em cada dia,
Vivo dois mundos.
O da claridade:
Onde a escuridão me abraça,
Presa que me sinto
A tudo que me é imposto.
O da escuridão:
Neste, sinto a claridade
Liberto-me,
Abraça-me apenas,
A transparente liberdade
De ser…


Maria do Céu Costa
in, "Sentimentos no Silêncio"(Pág.15)


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