quinta-feira, novembro 02, 2006

Tulipas




Conhecera-a numa reunião de amigos. Ela era como se fizesse já parte do mobiliário.

O seu sorriso afável, a voz doce, o cabelo cinzento que lhe conferia uma maturidade, que a Vida, nas suas próprias palavras, lhe tinha ofertado.


No nascimento da minha filha, foi uma das primeiras visitas que tive.


Na mão levava um grande ramo de tulipas de todas as cores e no olhar a transparência da sua alma.


Olhou bem dentro dos meus olhos e disse-me naquela entoação doce que nunca esquecerei:


- Tens uma filha linda. Sabes, os filhos são a coisa mais importante que a Vida nos pode oferecer. Por eles fazemos os maiores sacrifícios.


E tirando uma tulipa do ramo, colocou-a na minha almofada, ao mesmo tempo que dizia que era das flores que mais gostava. Porque não tinham espinhos e eram resistentes e frágeis ao mesmo tempo.

Recordo que, de todas as flores que me ofereceram naquele dia, as tulipas foram as que mais tempo duraram…


De vez em quando as nossas vidas cruzavam-se, até porque a distância entre as nossas casas era curta.


Tive ainda o privilégio de receber tulipas de suas mãos aquando do nascimento do meu segundo filho.


E, de repente, deixei de a ver. Isolara-se do mundo mortificada pelo desgosto de, mais uma vez, ter sido trocada por alguém muito mais jovem que ela.


Os meses foram passando e nunca mais soube dela!


Não sei o tempo que já tinha decorrido, quando inesperadamente a encontrei. O mesmo sorriso, a mesma voz doce, só o cabelo é que mudara, o cinzento tinha dado lugar a um branco de neve.
Instintivamente, passei-lhe a mão pelo cabelo…


- Que lindo… tão branquinho… – exclamei.
- Pois é… a Vida oferece-nos disto… – a sua voz era fraca.


O chá foi gradualmente arrefecendo nas chávenas, enquanto conversávamos naquela tarde. E conheci-lhe a história.


Os filhos tinham sido a sua única felicidade. Tinha mantido o casamento para não os prejudicar e preservar a imagem que o marido gostava.


Queria esperar pelo momento oportuno para conseguir a sua liberdade. Talvez um dia Deus fosse bondoso com ela.


Voltara, porque o filho mais velho lhe pedira. O pai estava doente e tinham-no deixado só. O orgulho feminino dizia-lhe para não voltar, mas o amor aos filhos e à sua estabilidade emocional foram mais fortes.


Os tempos que se seguiram tinham sido difíceis, mas o sofrimento de anos tinha terminado. Naquele dia fazia precisamente um mês que ele fora a enterrar.


O relato caiu em mim fundo. E trouxe-me memórias.


Abri-lhe o meu coração e esvaziei a minha alma.


A serenidade das suas palavras, foram um bálsamo em mim.


- Não te arrependas nunca das tuas decisões. A tua Paz interior é o que te fará sobreviver neste mundo tão complexo.


Quando nos abraçámos, o seu olhar era cheio de ternura.
Esta foi a nossa última conversa.


Guardo na memória o seu sorriso e a sua voz tão tranquila.


Hoje, finalmente, encontrou a Liberdade e ficou em Paz.


Levei-lhe flores na despedida…


Tulipas vermelhas.


34 comentários:

elisa disse...

Uma linda homenagem.

Anónimo disse...

Me apeteceu chorar menina - já perdi um otimo amigo - e a saudade é imensa!!!
Bj

maresia_mar disse...

Oh minha kida amiga, fizeste-me rolar uma lágrima pelo rosto.. que relato mais comovente... ela está agora em paz como dizes.. tu tens que ser forte, a perda de uma amiga dói sempre... Bjhs grandes

Anónimo disse...

[[Quando a primeira lágrima aflorou
Nos meus olhos, divina claridade
A minha pátria aldeia alumiou
Duma luz triste, que era já saudade.

Humildes, pobres cousas, como eu sou
Dor acesa na vossa escuridade...
Sou, em futuro, o tempo que passou-
Em num, o antigo tempo é nova idade.

Sou fraga da montanha, névoa astral,
Quimérica figura matinal,
Imagem de alma em terra modelada.

Sou o homem de si mesmo fugitivo;
Fantasma a delirar, mistério vivo,
A loucura de Deus, o sonho e o nada.]]

Teixeira de Pascoaes
Sempre (1898)



Grato plo conforto de uma amizade que se pressente.

Albuquerque Mendes

Leticia Gabian disse...

Que coisa linda! Me fez arrepiar. Onde quer que ela esteja, sei que que há de haver um jardim de tulipas, de todas as cores. E com suas mãos, desse jardim irá cuidar e com sua ternura e generosidade, continuará a confortar quem tanto precisa.
Um beijo, querida.

Anónimo disse...

ha pessoas q nos tocam de uma forma q n tem explicacao, as vezes um sorriso, um gesto uma palavra valem mais q mil accoes :) gostei do teu texto, leva-me a pensar q ainda bem q essas pessoas existem na nossa vida, q aparecem, as vezes, vindas do nada e transformam-se em tudo :) Bjokas

Antonio Silva disse...

A Vida tem as suas histórias e agradáveis memórias, tal como a história apresentada. A saudade é um marco que nos toca quer na adversidade quer na intimidade.
As flores são símbolo de esperança, do renovar da confiança e de um renascer que se deseja perpetuar.
Toda a história é uma lição de Vida que se deseja que tenha um final feliz e a tua amiga conseguiu descobri-lo quando encontrou a Paz para si e para os outros.

A vida nem sempre é alegria
a ingratidão grassa a cada esquina
a solidão não é boa companhia
porque o ser carece de energia.

Se tudo fosse meras tulipas
viveriamos num ideal jardim
mas infelizmente nada será assim
já que em lugar de bonitas flores aparecem as eternas brigas.

A palavras belas deve corresponder respostas puras e singelas.

Um abraço com carinho e amizade.

Anónimo disse...

Extraordinária a forma simples de exprimires com uma rara sensibilidade sentimentos e afectos do teu dia a dia; lendo-te, envolvo-me como se estivesse presente na acção e no momento.
Ainda há dias, dizia a um colega meu, que em duas páginas A4 explicava uma situação: resumindo, o que queres dizer com isto?
Porque no fim da leitura, maçuda, nada percebera! Apeteceu-me dizer-lhe: se queres escrever bem, começa a ler blogs.
Há muito que te ando para dizer isto. Talvez hoje não seja o momento adequado, ou talvez seja. Porque me fizeste sentir a tua perda, que é a perda que muitos de nós já sofremos, ao perder alguém que partilhou a nossa vida.
E porque hoje é um dia especial para mim, porque se comemora 10 anos que perdi o meu irmão Júlio, que era simultaneamente o meu melhor amigo e o meu herói de muitas caminhadas esta tua descrição que li com um entrave na garganta, em toda a sua simplicidade, numa narrativa simples, directa, sem grande artifícios, mas que nos transpõe para o momento exacto do acontecimento.
Tinha que te dizer isto; és obrigatória no meu dia a dia; e a tua força de expressão já me levou a alterar muitos papéis que tinha para atribuir.
Cpmtos do J. N.

LL disse...

Sem duvida que esta uma homenagem muito bonita....
Obrigado por ter ido ao meu cantinho, fiquei mt feliz por saber que ainda passa por la!!

Tudo de bom!!
***kisses maryy***

Anónimo disse...

Belo.
Um texto lindo com palavras simples mas que dizem tudo o que se passa numa boa alma.




A.H.

vida de vidro disse...

Que bonita, essa homenagem. Uma história de vida que não deixa ninguém indiferente. **

Anónimo disse...

tão lindo! tão lindo e comovente. e a música faz este momento realmente muito especial. Fiquei sem palavras
Beijocasss da Anita

Teresa David disse...

Gostei mto do texto mas enquanto o lia não consegui deixar de pensar que daqui a pouco mais de um mês estarei na Holanda para passar o Natal com o meu filho mais novo. Tudo por causa das tulipas!!!
Bjs
TD

Anónimo disse...

...todos algum dia perdemos alguém que nos é próximo,um familiar, um amigo, um colega. Deixamos de os ter presente fisicamente, mas eles continuam a estar em nós eternamente. Lembramos sempre alguma conversa, um carinho... e sorrimos quando isso acontece.
A tua amiga que além de cativar, era um pessoa simples, até pelas tulipas que preferia, são flores tão delicadas, mas tão fortes.
Ela onde repousa tem a luz dos amigos, e sempre dará a todos uma luzinha para os guiar.
Belissimo texto, belissima homenagem, belissima música.
Deixo-te um abraço de conforto.

Teresa
{{coral}}

Anónimo disse...

Gostei imenso do texto e da homenagem.
Liberdade e Paz são duas das palavras que devem sempre fazer parte da nossa vida. Parabens e vou ser leitor assíduo do teu blog.

Henrique Santos disse...

Meus caros,
Foi difícil estar sem vcs, foi difícil conseguir reaparecer, mas ... estou feliz. Vou fazer visitas, vou inteirar-me de tudo o que se passa...
Quero voltar!
Ricky cheio de contentamento!

Carla disse...

lindo, profundo e uma lição de vida...

beijos e bom fim de semana

Unknown disse...

Que dizer? a vida é feita de momentos, uns bons outros nem tanto, acima de tudo devemos partilhar a nossa vida com os outros, viver os momentos e tentar tomar as decisões certas, acredito que é por isso que andamos por cá.
Esta tua experiência de partilha é um bom exemplo disso.

:)

Beijo

Anónimo disse...

Bonito. Para ti [[[]]]] e beijos***

Anónimo disse...

apenas tenho andado um pouco afastada porque realmente, nao ando bem.. peço desculpa.e hoje o teu texto teve um grande impacto em mim... se teve.. nem imaginas como.
um bem haja por determinadas pessoas se cruzarem nas nossas vidas
beijos

Bia disse...

Bem este teu post, toca bem cá dentro, fala-nos de uma Mulher que se sacrificou pelos filhos e essa mesma Mulher de cabelos brancos disse em poucas palavras o que todas nós precisamos ouvir Nunca nos devemos arrepender das nossas decisões e só encontrando a nossa própria paz sobrevivemos neste mundo... Adorei o referires os cabelos grisalhos e depois brancos, a minha avó já morreu há 14 anos, e tinha o cabelo grisalho, ás vezes olho para as avós de agora e dá-me umas saudades loucas da minha, já não há avós de cabelo branco...
adorei este post e nunca me vou esquecer desta lição de vida.
Um beijinho enorme para ti.

Pitanga Doce disse...

Há textos que nos deixam sem palavras. Este é um deles, porque sei como se enquadra em tantas vidas de nós, mulheres.Há alguns dias atrás comentei num blog porque nós somos primeiro mães e depois mulheres? Às vezes mãe do companheiro, como conta a história. Será sempre assim? A troca da felicidade pela paz interior? Porque nunca acontece o contrário? Perdoem-me se estou sendo indelicada, mas sei bem como são essas pressões familiares. E nós?

beijos solidários

Anónimo disse...

Como a vida imita tão bem a literatura! Que história mais triste aqui nos trazes e que pena não seja só literatura mesmo.Fica o sentimento e a delicadeza com que a contas
Bjs.
António

Era uma vez um Girassol disse...

Tocante a história que contas, faz pensar.
Quantas mulheres assim se sentiram e foram levadas pelo seu coração frágil e sofrido a viver essa realidade.
Paz para ela.
Bjs

APC disse...

Triste, tão triste...
Liberdade e Paz... Sem o que não se pode Amar, não se pode Ser.
Tenho tentado discutir o Tempo como a alma me manda; anda sempre inconformada. Por vezes sai a escrita de mim porque preciso, outras apenas porque é bom lembrar para não esquecer... Lembrar coisas que são simples mas difíceis; essenciais mas preteridas; procuradas mas perdidas... Achadas tardiamente...!
Liberdade para escolher e Paz consigo próprio, com as suas decisões!...
Tenho tentado e não tenho conseguido uma migalha do que consegues dizer com este texto.
Um grande abraço! :-)

Anónimo disse...

Faço a ronda, não por imperativos menos concebíveis, mas porque este blogue é duma estética irrepreensível, comprometido com a beleza da vida, a merecer mais e constantes visitas, porque aqui respira-se serenidade, e sinto-me, dum modo agradável, satisfeito, porque a excelência não tem preço, simplesmente, apreço. Bom fim-de-semana.

VdeAlmeida disse...

Foram as minhas primeiras flores preferidas. É verdade que com o tempo, por questões sentimentais, fui preferindo as violetas e os amores-perfeitos, mas as tulipas foram ficando como sendo !as primeiras"
À tua história, que hei-de comentar? Tudo seria supérfluo.
Beijinho grande e um abraço

Isa e Luis disse...

Olá menina,

Emocionante esta realidade,

Obrigada pela partilha.

Tulipas também são as minhas preferidas.

Bom fim de semana com harmonia e alegria

Beijinhos

Isa

pb disse...

bonita homenagem, Menina, deixaste-me com um nó na garganta e uma lágrima que teima em cair...beijinho

Maria Carvalho disse...

Quando olhei a fotografia pensei logo que as túlipas são as flores de que mais gosto! Quando te li, as palavras e a Vida condizem com o meu gostar...Muitos beijos.

António disse...

Olá MM!
Mais uma vez se confirma que escreves tão bem prosa como poesia.
Bonita e bem contada história.

Beijinhos

Heloisa B.P disse...

MINHA QUERIDA, SENSIVEL E..*TALENTOSA AMIGA*, ISTO*, E' UM POEMA EM JEITO DE CONTO!
_LINDO!
A partir daqui:

"Tens uma filha linda. Sabes, os filhos são a coisa mais importante que a Vida nos pode oferecer. Por eles fazemos os maiores sacrifícios.
E tirando uma tulipa do ramo, colocou-a na minha almofada, ao mesmo tempo que dizia que era das flores que mais gostava. Porque não tinham espinhos e eram resistentes e frágeis ao mesmo tempo.
Recordo, que de todas as flores que me ofereceram naquele dia, as tulipas foram as que mais tempo duraram…
De vez em quando as nossas vidas cruzavam-se, até porque a distância entre as nossas casas era curta.
Tive ainda o privilégio de receber tulipas de suas mãos, aquando do nascimento do meu segundo filho.
E de repente deixei de a ver. Ela isolara-se do mundo, mortificada pelo desgosto de mais uma vez ter sido trocada por alguém muito mais jovem que ela.
Os meses foram passando e nunca mais soube dela!
Não sei o tempo que já tinha decorrido, quando inesperadamente a encontrei. O mesmo sorriso, a mesma voz doce, só o cabelo é que mudara, o cinzento tinha dado lugar a um branco de neve.
Instintivamente, passei-lhe a mão pelo cabelo…
- Que lindo… tão branquinho… – exclamei.
- Pois é… a Vida oferece-nos disto… – a sua voz era fraca.
O chá foi gradualmente arrefecendo nas chávenas, enquanto conversávamos naquela tarde. E conheci-lhe a história.
Os filhos tinham sido a sua única felicidade. Tinha mantido o casamento, para não os prejudicar e preservar a imagem que o marido gostava …
Queria esperar pelo momento oportuno para conseguir a sua liberdade. Talvez um dia Deus fosse bondoso com ela.
Voltara, porque o filho mais velho lhe pedira. O pai estava doente e tinham-no deixado só… O orgulho feminino dizia-lhe para não voltar. Mas o amor aos filhos e à sua estabilidade emocional foram mais fortes.
Os tempos que se seguiram tinham sido difíceis, mas o sofrimento de anos tinha terminado. Naquele dia, fazia precisamente um mês que ele fora a enterrar.
O relato caiu em mim fundo. E trouxe-me memórias.
Abri-lhe o meu coração e esvaziei a minha alma.
A serenidade das suas palavras, foram um bálsamo em mim.
- Não te arrependas nunca das tuas decisões. A tua Paz interior é o que te fará sobreviver, neste mundo tão complexo.
Quando nos abraçámos, o seu olhar era cheio de ternura.
Esta foi a nossa última conversa.
Guardo na memória o seu sorriso e a sua voz tão tranquila…
Hoje, finalmente encontrou a Liberdade e ficou em Paz…
Levei-lhe flores na despedida…

"Tulipas vermelhas…
*************************
*******************************OS OLHOS COMECARAM A ARDER-ME E UM ARREPIO IA_ME PERCORRENDO, acompanhado ao mesmo tempo de UM SORRISO, ora triste ora alegre_triste pela melancolia da historia, ALEGRE pela EVIDENCIA DA SENSIBILIDADE E BELEZA DA PALAVRA QUE REVELA, NAO So@ SEU CORACAO*, COMO SEU PODER AO USAR A PALAVRA PROVOCANDO EMOCAO!!!!
ADOREI!
E GOSTO DE TULIPAS!
E GOSTO DE SI*, MINHA GENEROSA E LINDA AMIGA*!
QUE O *BEM* NAO SE AFASTE MEM UMA MILESIMA DE MILIMETRO DO SEU CAMINHO!
Beijinho.
Sua AMIGA*,
Heloisa
*************

Maria Clarinda disse...

Menina Marota...mais uma homenagem linda em forma de post...
Jinhos mil

SilenceBox disse...

Deixaste-me comovida com esta homenagem... os meus olhos ficaram embaciados! escreves lindamente, tens uma sensilidade especial e uma imensa doçura...
Um abraço apertado cheio de afeição!