quarta-feira, novembro 29, 2006

...Minh’alma resolveu

Imagem de Howard Schatz


“...Minh’alma resolveu ser mais capaz que eu..."
João Batista do Lago
A poesia está na alma
de cada um de nós e
quando ela
nos ultrapassa,
elevando-se,
fazendo das palavras
seus versos,
bailando
a cada momento
na ponta
de nossos dedos,
então Poeta...
valeu a pena
entregar
o nosso íntimo ao
labirinto
do pensamento
no calor
do alvorecer
e sugar
da alma
todo
o Universo.

segunda-feira, novembro 27, 2006

O Candeeiro...

Tudo começou por uma brincadeira…ao ler um desafio no blogue do Rui Diniz …quem quisesse, enviava uma imagem inspiradora e ele fazia um poema…
Punha-se a questão… que imagem haveria de lhe enviar, quando… o meu olhar bateu no candeeiro… corri a buscar a máquina e zás… “agora vou ver qual a inspiração dele” e um sorriso maroto bailou em mim…
Surpreendam-se… não é que o "rapaz" se inspirou mesmo no meu…

Candeeiro


É à luz do candeeiro na tua sala
que encontro o resguardo
da minha própria sombra.
Perdia-me na minha noite,
vagabundo, derrubado, derrotado,
renegado pela minha concepção de mim,
ainda que a mim imposta...
Sempre tive escolha e não escolhi.
Sempre tive na minha mão
a segurança de que o Mundo
é outro e não este;
de que o véu é um véu
e não o escuro fundo
de uma existência funesta.

É à luz do candeeiro dos teus sonhos
que descubro,
enquanto a nossa carne se fricciona,
que a Alma afinal redescobre-se
a cada orgasmo,
pelo poder das feromonas que acciona
em nós, o entusiasmo de estar vivo.

Podia continuar perdido mas encontrei-te;
e contigo nesta sala das nossas noites
descobri o dia de sol que sempre quís ver;
rebolei nas concepções de amor e Amor
e nunca me pediste que voltasse
aos teus braços, nunca!
Nunca pediste que nos soldasse num compromisso...

E é isso que faz com que permaneça
o Desejo que nos mantém quentes,
noite após noite,
sem esperança,
nem vontade,
que amanheça...

(Poema de Rui Diniz in A Corte d'El-Rei)

domingo, novembro 26, 2006

Os sinos dobram por nós

Há muito que não visitava, confesso, a página do meu querido Amigo Manel do Montado … pessoa de uma frontalidade e de uma coerência, que me apraz registar. Quando o acabei de ler, ocorreu-me o poema que vos deixo…

Imagem daqui


A injustiça avança hoje a passo firme
Os tiranos fazem planos para dez mil anos
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são
Nenhuma voz além da dos que mandam
E em todos os mercados proclama a exploração;
isto é apenas o meu começo.

Mas entre os oprimidos, muitos há que agora dizem
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos.

Quem ainda está vivo não diga: nunca
O que é seguro não é seguro
As coisas não continuarão a ser como são
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados
Quem pois ousa dizer: nunca
De quem depende que a opressão prossiga? De nós
De quem depende que ela acabe? Também de nós
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí que o retenha
E nunca será: ainda hoje
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã
(Bertold Brecht in "Elogio da Dialéctica")

sexta-feira, novembro 24, 2006

100 anos depois

António Gedeão…Viver em Poesia…

Pensar em ti é coisa delicada.
É um diluir de tinta espessa e farta
e o passá-la em finíssima aguada
com um pincel de marta.

Um pesar grãos de nada em mínima balança,
um armar de arames cauteloso e atento,
um proteger a chama contra o vento,
pentear cabelinhos de criança.

Um desembaraçar de linhas de costura,
um correr sobre lã que ninguém saiba e oiça,
um planar de gaivota como um lábio a sorrir.

Penso em ti com tamanha ternura
como se fosses vidro ou película de loiça
que apenas com o pensar te pudesses partir.

(Poema de António Gedeão)

Ouvir o poema na voz do
Luís Gaspar
(Desligar p.f. a música de fundo para ouvir o poema)
Poema e gravaçao recolhidos na
Truca, agradecendo ao Luís Gaspar a disponibilidade na recolha.

quinta-feira, novembro 23, 2006

terça-feira, novembro 21, 2006

Cartas do Perú dos Olivais

Aproxima-se o Natal e o Perú dos Olivais escreve à sua Perua...

Imagem Google

I
Adorada perua:Há dias que, diante do patrão,
ando de rua em rua
não sei por que razão.
Como tu viste, o homem resolveu
fazermos em Lisboa a consoada,
para me divertir, suponho eu.
Porém, se adivinhasse esta estopada,
tinha-lhe dito logo que não vinha,
tanto mais, tanto mais, não vindo tu,
minha peruazinha,
por quem morre de amor o teu perú.
É para ver a terra? Não percebo,
pois mal ergo a cabeça para o ar
trabalha logo a cana do mancebo
e continuo a andar, a andar, a andar...
Às vezes lá paramos, mas estranho
também estas paragens,
porque me agarram certas personagens,
tomam-me o peso, notam-me o tamanho
e até (Deus me perdoe se ouço mal!)
discutem o valor,
como se eu fosse, amor,
uma coisa venal!

Adeus. Com isto não te enfado mais.
Havendo novidades
escrevo. Mil saudades
e beijos do

Perú dos Olivais

II
Meu anjo... Escrevo agora na cozinhaduma senhora muito delicada,
que me tem dado esplêndida papinha
assim como a criada.
Há pouco ainda (ora imagina, filha!)
deram-me até um copo de Bucelas
que me adoçou muitíssimo as goelas
e é uma verdadeira maravilha,
mas Deus queira, Deus queira
como só bebo água lá em casa,
que não me faça mal à mioleira
e que eu não fique com um grão na asa.
Amanhã te direi o que é passado.
Recebe mil bicadas cordiais
do teu apaixonado
Perú dos Olivais
III
Querida. Água a ferver... Uma panelaao pé dum alguidar... tenho receio...
Fala-se em cabidela
e em perú de recheio...
Afia-se uma faca... Ó céus! Que horror!
O monco já me cai... Nunca supus...
Que é isto meu amor?
Ai Jesus! Ai Jesus!
Já tenho as pernas presas...
Tolda-se a vista... Engasgo-me... Agonizo...
Tremem-me as miudezas...
Turva-se-me o juízo...
Adeus: Recebe o último glu-glu
e os corais
do in... fe... liz
Pe... rú... dos O... li...vais

(Poema de Acácio de Paiva
Insigne poeta Leiriense
(1ª metade do séc. passado...)

sábado, novembro 18, 2006

Lobices...

Mais um momento que me deixou imensamente feliz. Saber que já está disponível aqui o livro do querido amigo Lobices - Joaquim Nogueira

"Acabo de chegar de um lugar indeterminado; não o sei localizar; fica algures na minha memória, já um pouco esbatida pelo tempo; gastei muito do meu tempo a lembrar o que não deveria ter sido recordado. Mas o arrependimento não traz nada de novo, apenas revolve o velho e não deixámos de ser o que somos, apenas almas errantes neste mundo de contrastes e de negações. Somos apenas e tão somente os "dejectos" dum mundo imperfeito. Não nos foi dada a possibilidade de esboçar a nossa própria vida e assim temos de nos contentar com os constantes ensaios que fazem de nós, indeterminando a solução final.
Perdemo-nos na amálgama do tempo e da insanidade.
Já não somos quem queremos ser.
Somos apenas o que nos "dão" para ser.
Permitem-nos viver de memórias e de factos que de novo se transformam em lembranças.
Mas, lembrar para quê? Para sofrer? Para verificar que afinal de contas de nada serviu o esboço que de mim fizeram em constantes ensaios que a nada me levaram? Apenas à negação, só me levaram à negação.
Não sei quem sou. Talvez nem queira saber: Não foi para isso que aqui vim; vim a este mundo para ser feliz, disseram-me um dia; e eu, parvo, acreditei.
Vivi correndo nesse sentido; esbocei sorrisos e ensaiei risadas. Tropecei, caí mas de novo me levantava.
O horizonte estava sempre perto e me bastava estender a mão; a ajuda nunca me era negada; acreditei que o esboço que de mim fizeram em alguma coisa de bom se haveria de tornar, um dia, quando não sabia, mas haveria de me realizar.
Engano. Puro engano..." 
(Excerto) 

Texto do Lobices

terça-feira, novembro 14, 2006

O Funcionário Público...

… compreendam uma coisa… este é um blogue de Poesia e afins… mas quando os Funcionários Públicos são tão mal tratados, por políticos, alguma comunicação social, muito público em geral e, os bancos “engordam”com o nosso dinheiro, aplicando cada vez juros mais altos, penalizando quem tenha um saldo abaixo da média que eles querem, impingindo seguros e mais seguros e todos têm medo de reagir, a começar por certa comunicação social que diz, que isso é resultante de um “buraco na lei”… eu estou do lado do mais fraco…
Aqui vos deixo estas pérolas, que descobri...

Pintura de Rosário Andrade



Então não saiu assomadiço,
terrível, assanhado como um gato,
esse manga d´alpaca timorato,
por tradição tão manso, tão submisso?

- Ah! Vocês não me pagam? Ele é isso?
Vocês supõem que não quebro um prato?!
(Exclamou). Pois vão ver como eu os trato!
E pronto! Nunca mais foi ao serviço.

O triste resultado viu-se em breve;
o abalo em toda a parte foi profundo;
o mal que produziu não se descreve.

Imaginem agora que os secundo.
Se os sonetos suspendo e faço greve
não há que duvidar! Acabou o mundo!

(Poema de Acácio de Paiva
Insigne poeta Leiriense
(1ª metade do séc. passado...)


Gentilmente cedido por ASN in Dispersamente...

domingo, novembro 12, 2006

...uma mulher

Imagem de autor desconhecido


Totalmente Herética.
Absolutamente hermeticamente.
És a corrente eléctrica
que subverte a métrica.

Vejo uma mulher distante amante
lutando contra o tempo desviante
uma mulher de células diamante
e oráculos védicos bramante...

uma rubra submérsica corrente
entregue aos ritos áuricos da mente
que me procura e eu busco demente
entre sonoras sombras manualmente!

uma mulher de súbitos desvios
de onde nascem tumultuosos rios
e se perfilam beijos desvarios
em sexos sanguíneos delírios!...
uma mulher de hoje e de infinitos
saberes de que se fazem mitos.



Poema de Ernesto M. de Melo e Castro

quinta-feira, novembro 09, 2006

Ausência...

Imagem de Olga Sinclair


Quero dizer-te uma coisa simples:a tua ausência dói-me.
Refiro-me a essa dor que não magoa, que se limita à alma;
mas que não deixa, por isso,
de deixar alguns sinais -
um peso nos olhos, no lugar da tua imagem, e um vazio nas mãos.
Como se as tuas mãos lhes tivessem roubado o tacto.
São estas as formas do amor,
podia dizer-te; e acrescentar que as coisas simples
também podem ser complicadas,
quando nos damos conta da diferença entre
o sonho e a realidade.
Porém, é o sonho que me traz a tua memória;
e a realidade aproxima-me de ti,
agora que os dias correm mais depressa,
e as palavras ficam presas numa refracção de instantes,
quando a tua voz me chama de dentro de mim -
e me faz responder-te uma coisa simples,
como dizer que a tua ausência me dói.


Poema de Nuno Júdice

quarta-feira, novembro 08, 2006

Poema simples

Imagem de Rita Isabel


Meus devaneios sós de adolescente,
ensimesmada em vã filosofia
e audazes concepções, eu trocaria
por ermo longe...onde calmamente

Olhasse o morrer de cada dia.
Depois, o envelhecer serenamente,
sem problemas de amor, o tempo ausente,
sem ler tratados de psicologia.

Vida simples, humilde, sem canseiras,
sem amanhã, nem bruscas ambições
da janela, ao longe, a ver-se o mar.

E plácida, embalar-me a vida inteira
afagando tranquila, as ilusões
no doce aconchego do meu lar!...



Ouvir o poema na voz de Luís Gaspar 
(Desligar p.f. a música de fundo para ouvir o poema)


(Memórias da minha juventude...)

segunda-feira, novembro 06, 2006

Novembro

Pintura de Marc Chagall

O sabor dos derradeiros dias
Roda ainda na casa e pela rua
Folhas vermelhas gemem por morrer
Mas nós não nos lembramos

O Inverno varre o céu e enche
O mundo inteiro de um sonho de vazio
Temos de estar sós e não ter nada
Horas sem fim na casa inabitada

Parece que partimos. Cada dia
Mais profundo na noite se aprofunda
E nós queremos partir – todos os cantos
Empalidecem ao pé desta decida
Até às pedras geladas do silêncio

Olhamos à janela de olhos fitos
Longe a claridade além dos rios
Queremos ir com o vento com o perigo
Queremos a injustiça do castigo
Somos nós que a nós mesmo nos matamos
E com mais amor do que quando amamos
Sentimos sobre nós descer o frio.
Quem me roubou o tempo que era um
quem me roubou o tempo que era meu
o tempo todo inteiro que sorria
onde o meu Eu foi mais limpo e verdadeiro
e onde por si mesmo o poema se escrevia



Poema de Sophia de Mello Breyner e Andresen



Em dia de Aniversário...
deixo-vos um seu poema na voz do Luís Gaspar 
(desligar a música de fundo, p.f. para o ouvir)

domingo, novembro 05, 2006

Hoje apeteceu-me...

Imagem da Angie


Hoje apeteceu-me colar-me à cadeira
Auto-estrada, 60 70, terceira
Passa um, 90 100, quarta
Passa-os a todos, 120 130, quinta

Acelerar, tirar o cinto e Ligar o cruzeiro
Abrir os braços e do carro, voar para fora
Descolar suavemente como um veleiro
Ver a estrada toda e ir-me embora

Aumentar, crescer
Ver a cidade, passar os dedos pelas ruas
Mergulhar no mar de espuma a ferver
Olhar a um lance paisagens que são tuas

Aumentar, expandir
Segurar o planeta na mão
conhecer as plantas, os bichos, o porvir
Abraçar o sol no braço da constelação

Aumentar, consentir
Percorrer galáxias num segundo
Trespassar conglomerados, ver o Mundo
Olhar nos olhos de Deus e com ele me fundir



(Poema de P Az in O Zigurate )

quinta-feira, novembro 02, 2006

Tulipas




Conhecera-a numa reunião de amigos. Ela era como se fizesse já parte do mobiliário.

O seu sorriso afável, a voz doce, o cabelo cinzento que lhe conferia uma maturidade, que a Vida, nas suas próprias palavras, lhe tinha ofertado.


No nascimento da minha filha, foi uma das primeiras visitas que tive.


Na mão levava um grande ramo de tulipas de todas as cores e no olhar a transparência da sua alma.


Olhou bem dentro dos meus olhos e disse-me naquela entoação doce que nunca esquecerei:


- Tens uma filha linda. Sabes, os filhos são a coisa mais importante que a Vida nos pode oferecer. Por eles fazemos os maiores sacrifícios.


E tirando uma tulipa do ramo, colocou-a na minha almofada, ao mesmo tempo que dizia que era das flores que mais gostava. Porque não tinham espinhos e eram resistentes e frágeis ao mesmo tempo.

Recordo que, de todas as flores que me ofereceram naquele dia, as tulipas foram as que mais tempo duraram…


De vez em quando as nossas vidas cruzavam-se, até porque a distância entre as nossas casas era curta.


Tive ainda o privilégio de receber tulipas de suas mãos aquando do nascimento do meu segundo filho.


E, de repente, deixei de a ver. Isolara-se do mundo mortificada pelo desgosto de, mais uma vez, ter sido trocada por alguém muito mais jovem que ela.


Os meses foram passando e nunca mais soube dela!


Não sei o tempo que já tinha decorrido, quando inesperadamente a encontrei. O mesmo sorriso, a mesma voz doce, só o cabelo é que mudara, o cinzento tinha dado lugar a um branco de neve.
Instintivamente, passei-lhe a mão pelo cabelo…


- Que lindo… tão branquinho… – exclamei.
- Pois é… a Vida oferece-nos disto… – a sua voz era fraca.


O chá foi gradualmente arrefecendo nas chávenas, enquanto conversávamos naquela tarde. E conheci-lhe a história.


Os filhos tinham sido a sua única felicidade. Tinha mantido o casamento para não os prejudicar e preservar a imagem que o marido gostava.


Queria esperar pelo momento oportuno para conseguir a sua liberdade. Talvez um dia Deus fosse bondoso com ela.


Voltara, porque o filho mais velho lhe pedira. O pai estava doente e tinham-no deixado só. O orgulho feminino dizia-lhe para não voltar, mas o amor aos filhos e à sua estabilidade emocional foram mais fortes.


Os tempos que se seguiram tinham sido difíceis, mas o sofrimento de anos tinha terminado. Naquele dia fazia precisamente um mês que ele fora a enterrar.


O relato caiu em mim fundo. E trouxe-me memórias.


Abri-lhe o meu coração e esvaziei a minha alma.


A serenidade das suas palavras, foram um bálsamo em mim.


- Não te arrependas nunca das tuas decisões. A tua Paz interior é o que te fará sobreviver neste mundo tão complexo.


Quando nos abraçámos, o seu olhar era cheio de ternura.
Esta foi a nossa última conversa.


Guardo na memória o seu sorriso e a sua voz tão tranquila.


Hoje, finalmente, encontrou a Liberdade e ficou em Paz.


Levei-lhe flores na despedida…


Tulipas vermelhas.