quarta-feira, julho 12, 2006

Memórias minhas...

Olhei a Cidade desvirtuada. Já pouco existe da que outrora me acolheu, ainda adolescente, e da beleza que me encantava. Que resta do Porto que conheci?

Praça dos Leões - Porto (imagem antiga)

A lembrança do sol quente a bater-me no rosto enquanto estacionava o carro, fez com que não me apetecesse ficar naquele corredor frio.
Até porque me entristecia o olhar da jovem que "estacionara" a cadeira de rodas na minha frente e que me olhava séria.
Tentei sorrir-lhe, num sorriso tímido, algo envergonhado. Era bonita. Uns traços finos, nuns olhos negros, grandes, de longas pestanas. Os cabelos caíam-lhe pelos ombros, castanhos, sedosos.
Ela continuou a olhar para mim e, de repente, diz-me:
- Está sol lá fora. Não te fazia bem passeares um pouco?O meu coração disparou. Ela tinha lido o meu pensamento. Sorriu-me. Libertei o meu sorriso e retribui-lhe.
Ficámos as duas olhando-nos, sorrindo…
– Vai lá…Abandonei o corredor cinzento e frio de encontro ao sol.
- Vai lá…Encarei o sol. Como é bom senti-lo.
Ao descer a escadaria do hospital, o sol inundou o meu corpo e a minha alma.
- Vai lá…E fui… ao encontro de uma cidade que, não sendo minha por nascimento, aprendi a amar.
Há quantos anos os meus passos não me levavam por aquelas ruas?
Não reconheço quase nada.
Aquelas ruas que conheci tão bem em tempos estão completamente descaracterizadas.
O preço a pagar pela exigência de tempos modernos?
O Largo dos Leões já não é como o recordava quando o vi pela primeira vez, menina e moça. Perdeu toda a sua imponência. Modernices, penso nostálgica.
Não gosto do actual.
Detive-me logo ali à entrada de Cedofeita.
A minha paixão por miniaturas deixou-me pregada à montra.
A beleza de certas peças pequenas deixa-me fascinada.
Que mão, que dedos, que sensibilidade consegue construir tamanha beleza?
Perco conta aos segundos que ali estive, por isso voltei para trás.
Entro na Rua Sá de Noronha. O Solar Moinhos de Vento ainda ali está. Que saudades… aquela comida… a companhia… a alegria… tempos passados.
Na Rua das Carmelitas entro no meu "templo": a Livraria Lello.
A fachada neogótica sempre me impressionou mas o fascínio está no seu interior.
Sorrio para o cartaz do meu Poeta favorito.
Pessoa mantém-se impávido, alheio aos olhares que lhe deitam na subida da escadaria.
Gosto de sentir o cheiro dos livros, gosto da arquitectura, da suavidade da madeira trabalhada… gosto de relembrar os tempos em que aqui vinha e me sentava na escadaria, de nariz para o ar, admirando, até que alguém me dizia:
- Menina, não pode estar aí!Sorria sempre, malandra.
- Pois não posso. Mas adoro!Paguei o livro que escolhi e voltei a encarar o sol.
Não resisti à montra do início da rua.
Os meus olhos deviam brilhar, quando entrei no corredor cinzento e frio.
Uma voz diz-me:
- Onde foste? Demoraste!Mostrei o embrulho.
- Cometeste alguma loucura. Pelo teu olhar…Não é tão bom cometerem-se loucuras num dia de sol?
Num relance, procuro a menina dos olhos negros. 
Já não estava lá…

(Hoje recordei-me deste dia…)

29 comentários:

Agnelo Figueiredo disse...

Olá Marota.
Também passeei muito por essas ruas durante 80 e 81, quando aí estive na tropa.
Bolas! Fiquei nostálgico!

zmsantos disse...

Menina, mal conheço a cidade do Porto (quase nada)mas fui viajar com as tuas palavras e, ao voltar, trazia comigo um pedacinho dela.
Tenho que ir ao Porto quanto antes...

Maria Carvalho disse...

Gostei das tuas palavras. Senti a nostalgia. Um beijo.

peciscas disse...

De facto, aquele meu porto dos vinte anos, já quase não existe.
Por isso, agora, continuando a morar muito perto, já só vou à cidade, quando tem mesmo de ser!

Carla disse...

Recordar tb é viver...
(¯`v´¯)
`*.¸.*´
¸.´¸.*¨) ¸.*¨)
(¸.´ (¸.´ .´ ¸¸.¨¯`.
Beijo

Pitanga Doce disse...

Curioso como as lembranças do passado vieram bater à porta de muita gente essa semana inclusive a mim. Vá ao pitanga e entenderá.
Abraços( recebi seu email) pitanga.

RPM disse...

olá!

quem vê esta foto e vê a praça hoje......

coisas resultantes da modernidade

abraço

RPM

Anónimo disse...

Adorável lembrança. Encantei-me de seu espaço.
Vou voltar e vou guardá-lo.

bjinhos

desire

Anónimo disse...

Olá, e é um olá timido, e é timido prq fala da minha cidade, a cidade que todos os dias acordo e me deito. A cidade onde trabalho e onde cada dia que passa me apaixona mais. As transformações efectuadas é claro que são discutiveis, cada um tem o seu gosto. A sua maneira de conseguir ver o futuro. Mas apenas mudaram os passeios, as ruas, os jardins. As casas tipicas continuam, as ribeiras continuam, o rio continua, o vendedor de jornais e de taludas continua, as livrarias, os restaurantes, O Magestic!, continua. O perfume da minha cidade está viva e bem viva e nela que quero continuar a sonhar.


Bjs portuenses
http://antisocialespecial.blogs.sapo.pt

Anónimo disse...

Amiga querida, como foi bom passear contigo através dessa remoração! Os lugares que amamos sempre despertam nossa sensibilidade. Valeu pela excelente partilha!!!
Um abraço fraterno.

Anónimo disse...

errata: rememoração

della-porther disse...

Suas lembranças ...tão fortes ...me transportou até lá.

Escrever assim é muito prazeiroso.

beijos

Anónimo disse...

Lindíssimo. Tão simples, as palavras, mas cheias de sentimentos. Agradeço também as tuas palavras.
Bjs

Manuel Veiga disse...

um texto vibrante e sensível. que define um carácter! e uma alma de Mulher!

maresia_mar disse...

Demais o teu post fizeste-me sorrir e lembrar dos meus tempos de estudante, cada sitio que descreveste eu vi ao vivo, foi como se um filme passasse diante dos meus olhos ah eu também tinha uma paixão pela livraria Lello, ou ler não fosse um vicio que me acompanha desde há largos anos. O Porto mudou, é um facto, mas eu continuo a amar esta cidade tal qual no 1º dia.. Bjhs e bom fds

eli disse...

tempos complicados, os meus. não tenho aqui vindo como gostaria. e ainda não é hoje que o faço. é que gosto de poder aqui estar com a calma necessária - a que me permite a fruição.

depois de descansar uns dias, aqui retornarei - em melhor forma(espero-o, desejo-o)

até lá... meu beijo

Anónimo disse...

Não conheço a cidade.. mas lendo as suas palavras.. também se passa noutras cidades.. enfim.. modernices!!

Pamina disse...

Olá,
No último ano estive três vezes no Porto e gostei muito da cidade. Já não consegui encontrar as casas onde viviam os meus familiares, que costumava visitar em criança e adolescente com os meus pais, mas mesmo assim gostei de andar por aquelas ruas. Claro que tu sentirás de outra maneira as alterações para pior.
Desejo-te um bom fim-de-semana e envio beijinhos. Faz no domingo um ano que nos conhecemos:).

lena disse...

menina linda, não conheci esse Porto que descreves com nostalgia, conheci o Porto da cidade agitada, onde a confusão do transito se faz a todo o momento, onde as pessoas sentem pressa para chegar ao seu destino, onde cada um, é cada um, a cidade que um dia me assustou pela sua cor

depois passei a olhar para ela com outros olhos, onde cada lugar tinha a sua marca e aprendi a gostar

descreves cada momento com tanta intensidade que me vi a viajar no tempo sem ter passado por ele aí

gosto de te ler assim nessa entrega, onde me fizeste sonhar...

um beijo meu e obrigada por partilhares momentos tão deliciosos

lena

Anónimo disse...

Gosto das tuas memórias e dessa tua fantástica forma tão simples de lidares com as palavras!
Estou de acordo contigo. Também para mim o Porto, em certos locais perdeu o encanto. Especialmente a Av. dos Aliados!! O que fizeram dela!!
Cpm do
J. N.

SilenceBox disse...

Este texto tocou-me imenso, principalmente, aquele olhar negro da menina, a troca de sorrisos cúmplices entre vós, a incentivação da menina para ires apanhar Sol... Tudo isto apertou o meu coração! Também me tocou o modo como descreveste: a sensação de rever uns sítios que outrora te tocaram e a tristeza por perderem o brilho antigo... Ficaram as recordações e as saudades. Guarda-as bem, querida!
Um abraço carinhoso

Era uma vez um Girassol disse...

História bonita e misteriosa...
Quantas vezes somos impelidos por forças que depois não sabemos explicar?
A procurar a luz...
Bjinho

Pitanga Doce disse...

Bom domingo, Menina. Hoje é dia de fazer jardinagem, ir ao cinema,comer na casa da sogra e ir ver a Torre da Pitanga. Vais entender.
beijos da dona da árvore.

Manel do Montado disse...

A história que nos trazes de uma passado de sentimentos relacionado com as coisas e de afectividades com elas é mais um dos brilhantes momentos que vivo ao passar por aqui.
Também eu tenho essa relação com o espaço arquitectónico e com lugares onde me perco em devaneios contemplativos.
“O passado foi lá atrás” mas está aqui ao meu lado a cada momento que o revivo e a alegoria da menina na cadeira é um espanto…sublime.
Ler assim não custa, tal a forma do sentimento em palavras vertido.
Um beijo

portuguessuave disse...

Muito bonito..gostei de conhecer o teu blog..felicidades

Conceição Paulino disse...

já conhecia este teu belo texto, mas reli-o com muito prazer.
Sobre o comentário k deixaste outro dia no http://orgiapolitica.blogspot.com/
nem imaginas como lmaneto a traumática expª pela qual o teu filho passou. E tu, como mãe, à posteriori ficas com o coração estremecido.
Já foste ver a minha MONTRA?
http://amontradatmara.blogspot.com/ ?
terei gosto na tua visita e, quem sabe te tentas...
Boa semana. Bjocas de luz e paz, amiga

Elise disse...

Apesar de tudo o Porto continua a ser aquela cidade que tanto amamos.

Beijos amiga, tem uma boa semana!

Antonio stein disse...

Um Porto Sentido,
mas Despido e Descolorido.


Boas Férias.

Anónimo disse...

Encostei-me àquela parede quase à esquina e pus o pé para engraxador. Era para disfarçar; vaguear à toa onde se é estranho não é de boa figura. Quando os sapatos já brilhavam o reconhecimento estava feito. E lá segui por uma rua que desce...
Foi na primeira vez que fui ao Porto.
Cumpts.