segunda-feira, janeiro 30, 2006

Balada da Neve...


Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
- Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.

Cai neve na Natureza
- e cai no meu coração.


(Poema de Augusto Gil in Luar de Janeiro)




sexta-feira, janeiro 27, 2006

Na calma da manhã...



Entre o arvoredo sereno e alta nuvem
que meu cristal limita em círculo completo,
tu surges a sorrir, deus desejante,
com a brisa matinal, a ver-me despertar;
e a sorrir eu desperto também
para este sonho em vigília que me chama.

E entre todos os meus sonhos, deus, em momentâneos
alertas, bem-estar do adormecido,
tu intercalavas, desejado,
como as ondas de ouro deste mar,
esta certeza que me ocupa agora
o meu dia com minha noite, a minha noite com meu dia.

E agora, transformado o sonho em acto,
que dinamismo me levanta
e me obriga a crer que isto que faço
é o que posso, devo, desejo fazer;
este trabalho tão saboroso de falar de ti,
de falar de mim de todas as maneiras, na forma
que me restou de todas, para ti!


Poema "A forma que me resta" de Juan Ramón Jimenez


Fotografia de Manuela Vaz - Porto

domingo, janeiro 22, 2006

...fez-se Primavera para mim...

... porque estou de regresso a vós...
Imagem do Ognid

Todos os pássaros, todos os pássaros
asas abriam, erguiam cantos,
de Amor cantavam.

Todos os homens, todos os homens,
de almas abertas, de olhos erguidos,
de Amor cantavam.

De Amor cantavam todos os rios,
todas as serras, todas as flores,
todos os bichos, todas as árvores,
todo os pássaros, todos os pássaros,
todos os homens, todos os homens.

De Amor cantavam...


(Poema de Sebastião da Gama, 

in "Campo Aberto")


... com todo o meu afecto um grande OBRIGADA pelas vossas palavras durante a minha ausência, voltarei aos poucos aqui com a mesma alegria de sempre, uma vez que a lesão que me afectou o globo ocular está em franca recuperação. Estou sem palavras para vos mostrar a minha gratidão pela alegria que senti quando aqui entrei e vos li!
Deixo um abraço de carinho e um sorriso do tamanho do Mundo…

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Morrendo de saudades...

Por motivos imprevistos e ligados à minha saúde, estarei por breves dias (espero…) ausente, pelo que estarei impedida de actualizar os meus blogues e de vos ler também.

Um abraço carinhoso e saudoso a todos,
espero voltar muito em breve...

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Memórias minhas...

Imagem daqui


Atrevi-me a sair (quem me conseguiria impedir? parar é morrer, exclamei sorridente, perante a surpresa de quem me quis impedir...) e rumei calmamente estrada fora, enquanto observava o novo comboio que circulava na via-férrea... São estas as novas carruagens? Apeteceu-me entrar nele e partir à deriva... mas continuei, rumo ao azul que se vislumbrava mesmo à minha frente...

Como é bom sentir a brisa da manhã, os cabelos húmidos e frios, enquanto me encolho dentro do kispo do meu filho... (ah, a vantagem de se ter o filho a crescer a uma velocidade supersónica... eh eh)...

Lá ao fundo vislumbro um vulto que passeia calmamente, fazendo zig zag na areia molhada.

Sinto o ar encher-me os pulmões e repasso na minha mente os últimos acontecimentos da minha vida...

Já passou assim tanto tempo? Ontem ainda era uma menina... corria pelo jardim, atrás da minha velha cadela...lembrei os amores... o meu primeiro beijo, a descoberta de um mundo novo, para o qual não estava preparada.

Hoje, estou aqui e sorrio... a vida é feita de pequenos nadas, que fazem uma vida completa...segura e insegura, com medos, lágrimas, mas também muito sorriso... Ah... o amor... o primeiro amor... não se esquece... o último também não... pelo meio ficam as lembranças... umas boas, outras más...a Vida continua... para a frente é o caminho... e sento-me naquele "meu" bar... aguardando o tão esperado café a escaldar...

E não me digam que não vale a pena viver...quero lá saber dos problemas que me aguardam...

 "Vem vento, varre
sonhos e mortos.
Vem vento, varre
medos e culpas.
Quer seja dia,
quer faça treva,
varre sem pena,
leva adiante
paz e sossego,
leva contigo
nocturnas preces,
presságios fúnebres,
pávidos rostos
só cobardia.

Que fique apenas
erecto e duro
o tronco estreme
de raiz funda.

Leva a doçura,
se for preciso:
ao canto fundo
basta o que basta.

Vem vento, varre! "


(Poema de Adolfo Casais Monteiro)

domingo, janeiro 01, 2006

E por vezes...

Imagem de Scott Kimmel

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.



Poema de David Mourão-Ferreira


FELIZ 2006