domingo, novembro 13, 2005

Memória para o futuro... ou a ternura do envelhecimento...

Óleo de Victoria Sypniak


Sinto a porta abrir-se devagar.
A música toca baixinho, como sempre. Jamais prescindi da música na minha vida.
Passos dirigem-se à janela. Correm os reposteiros deixando a claridade invadir o aposento.

- Tornaste-te a deitar tarde. És sempre a mesma…Sorrio. Serei sempre igual a mim própria.

Espreguiço-me calmamente. O sol ilumina-nos com aquela claridade de uma manhã radiosa de Primavera.
Sinto as mãos no meu cabelo, devagarinho, acariciando-me.
Fecho os olhos… Deixo o sol bater-me no rosto e recordo outras manhãs como esta.
As mãos continuam a acarinhar-me…
Sempre gostei destes carinhos. Transbordo de felicidade nestes momentos.
Recordo, como num filme, toda a minha vida. Sempre fui optimista. Sempre soube reter um pouco de alegria mesmo nos maus momentos.
As mãos ajudam-me a levantar e, naquele momento, sinto o abraço carinhoso.
Uma alegria sem fim percorre o meu corpo. Um sentimento calmo, mas intenso, invade-me.
Sou eu novamente. Na plenitude da minha juventude, sentindo aquele abraço.
Mil imagens passam velozes pela minha mente. Sei que sou feliz porque amei tudo na minha vida, intensamente.
Não me importo que tenha envelhecido. Não importam as rugas que sulcam o meu rosto. Não importa que meus olhos mal possam ver.
Porque consigo ver para além daquilo que a visão nos dá. Vejo o amor que dei e recebi.
Vejo toda uma vida de emoções, contradições, felicidade e infelicidade.
Mas, acima de tudo, vejo as pessoas que me rodeiam e, sinto neste abraço, todo o amor que espalhei.

- Anda, preguiçosa! Passaste a noite a escrever… Nunca hei-de perceber se o que 
escreves é verdade ou ficção.

Solto uma gargalhada, feliz.
O sol continua a brilhar. Recordo todas aquelas pessoas que passaram por mim e me deixaram algo delas.
Sou a vivência de todas. Com todas sofri. A todas amei. Sinto na minha alma todas as suas dores, incorporei os seus ideais, as suas vivências e aprendi com elas a viver melhor.
Sou o resultado de tudo e de todas.
Vivi a solidão dos que me rodearam, as dores dos que me amaram, enxuguei as lágrimas de quem chorava, e sobrevivi.
Tenho oitenta e cinco anos, cabelos brancos de neve, rios de rugas no meu rosto, mas um coração que ainda bate por todos.


- Dá-me a mão, Avó… vamos ver o mar…



(Dedicado a todas as Avós)

59 comentários:

Francesca disse...

Bem este texto está lindissímo...muito bem escrito :) HHá muito que não passava por cá...ainda bem que me relembraste ao visitares o meu mundo!

Beijinho grande**

P.s. Vou adicionar-te

Anónimo disse...

Tão bonito...
Beijinhos duma alma sonhadora

Su disse...

gostei de ler. está lindo, terno, vivido, cheio de sentimentos

jocas maradas

Azul disse...

Cara amiga. Fico feliz de poder reencontrá-la e ao seu talento para escrever. Gostei particularmente deste texto, talvez porque hoje seja um dia especial para mim: o do meu aniversário. Lembrou-me de uma avó que tb tive: a minha avó Lucinda. jamais esquecerei as carcaças estaladiças com manteiga e as chávenas de cevada acabada de ferver que me permitia beber ao lanche, à revelia da minha mãe (que, como todas as mães, preferia que tomasse leite.) Devolveu-me a imprescindibilidade da música na minha vida. Hei-de voltar sempre aqui. Um grande beijinho para si. Até breve. Azul.

Manel do Montado disse...

(...)Sou a vivência de todos. Com todos sofri. A todos amei… sinto na minha alma, todas as suas dores, incorporei os seus ideais, as suas vivências e, aprendi com eles, a viver melhor.(...)

É esta a receita para a verdadeira dimensão que se pretende no ser humano.
Quanto ao escreveres tarde, já somos dois. Agradeço a hora da visita e a porta está sempre aberta. Sinto-me lisonjeado pela tua passagem lá pelo montado.
Marco muitas vezes o tempo pelos sons da noite. As horas de passagem do carro do lixo, o barulho na madrugada pela chegada dos jovens da noite e outros, tantos outros.
Ah! O cafuné acalma mesmo né?
É a altas horas que as minhas memórias mais escondidas acordam e então sento-me com o ”portátil” ao colo, coloco música no leitor de CD´s, ponho os “phones” e:
- Hello darkness my old friend, I,ve come to talk with you again…
Quanto ao texto, faço o mesmo que já fiz a tantos outros que publicaste, releio-os com renovada perspectiva e com a certeza da excelência do momento que proporcionam.
Bjinhos e boa semana,
Manel

António disse...

Acho que percebi bem a construção deste belo texto.
Tu, a neta, projectas o teu futuro na tua avó velhinha, numa fusão de identidades, numa "memória futura".
Está magnífico!
E a construção soberba!
E acabam as duas a ver o mar...que inveja!
(se a minha interpretação estiver errada, diz-me - mas acho que está correcta)

Quero agradecer a tua visita à minha casinha de que tanto gosto e que tem tanto de mim.
Em relação ao desenlace da blogonovela, quero também dizer alguma coisa:
As pessoas não são iguais umas às outras. Nem sequer são sempre iguais a elas mesmas.
A Anabela já dera sinais de que, embora o Paulo fosse o amor da sua vida, podia viver sem ele.
Quando abortou, mandou-o desaparecer da vida dela.
Quando se reencontraram, ela disse a Paulo que dificilmente se separaria do seu marido, justificando.
Perante uma situação de forte suspeita em que foi colocada pela carta anónima, uma despedida era inevitável para uma mulher como ela. E, como da primeira vez, quanto mais rápida, menos dolorosa.
Ela é seguramente muito diferente de ti.
Mas é uma pessoa real.

Também quero agradecer os comentários que fizeste ao meu post de hoje.

E agora vai ver as luzes dos barcos que passam no mar em frente da tua varanda, querida amiga sortuda!

Beijinhos

Anónimo disse...

Menina marota, as idades cruzando e caminhando lado a lado/envelhecer é não viver/gostar de si própria é a auto estima que nos estimula/as experiências vividas e sempre absorvidas/é no fundo a mescla precisa na preciosidade da vida. Gostei imenso desse teu despertar, despertaste para ti e para quem te estava a olhar. Lindo. Beijinhos.

Anónimo disse...

Muito bonito.
Independente da ficção ou da realidade, que bom é saber assumir cada etapa da vida com sabedoria.

Envelhecer não é ter rugas, é ter chegado a uma idade tardia sem ter amado cada passo da vida.

Bjs

Boa semana :)

Å®t Øf £övë disse...

Bela dedicatória à tua Avó.
Não sei se este texto é ficção ou realidade, mas quem consegue chegar a essa idade com a paz de espirito que o teu texto deixa transparecer, só pode ter sido uma pessoa feliz, e de bem com a vida que tem.
Adorei este texto.
Boa semana.
Bjs.

Luís Monteiro da Cunha disse...

Olá...

Já não tenho avós...
finaram-se, mas fiquei com as suas recordações e tu fizeste-me pensar neles e recordá-los. Obrigado.

Beijinhos para a tua avó maravilhosamente fresca e jovial.

Anónimo disse...

A carta 25 está completa. Ainda faltam muitas, mas vai devagar...
Uma boa semana para ti.

Anónimo disse...

Envelhecer não é problema. Ficar "velho" isso sim, é sem dúvida o meu medo o meu receio...Boa semana :)

Isabel Filipe disse...

Oi Menina Marota...

Lindissimo o teu texto... linda homenagem...
é sempre tão bom ler-te...

gostaria que hoje não deixasses de passar lá no meu sítio....

boa semana e beijinhos

maresia_mar disse...

Não consegui evitar uma lágrima que me rolou pelo rosto... fez-me recordar o meu avô de quem eu tanto gostava.. lindo o que escreveste e com muito sentimento. Bjhs

Henrique Santos disse...

Isto é mesmo uma marotice... para nos fazer rolar uma lagrimita, pois então... Que Avó, e que Neta!
Parabéns e obrigada,
Bjinho Ricky

sofialisboa disse...

não sei se por coincidência, mas andamos todas a falar nas nossas avós e sua influencia na nossa vida, gostei desta...que bom ter uma avó assim.sofialisboa

António disse...

Obrigado pelo esclarecimento.
Não interpretei tudo correctamente mas andei perto.
15 valores.
Está bem?

Beijinhos

Anónimo disse...

:) tb adorava a mnh avó q era uma mulher pequena de cabelos brancos, mas com mt amor p dar :)

Anónimo disse...

"- Nunca hei-de perceber, se o que escreves, é verdade ou ficção." e faço minhas as tuas palavras...Mas que interessa? Faz tudo parte de ti, não é verdade? Lindo este texto, como o gesto de dar a mão! Beijinhos!

GUIA DO APOSTADOR disse...

Texto lindissimo, leve na leitura mas carregado de sentimento...voltarei em breve, gostei do que li.

Anónimo disse...

Fico pensando como é tão bom haver alguém que somando palavras dá como resultado final ternura e amor .
COm os meus respeitos um beij.
A.H.

Anónimo disse...

Menina Marota, que lindo texto todo ele uma experiência de vida intensa e rica. Gostei de ler. Beijinhos.

Anónimo disse...

Grata por me ter indicado este caminho.
Ternura de texto :-)
Beijo. T.

Peter disse...

Fiquei tão sem jeito, que não sei o que escrever. Saudades dos que se foram ...

Vagabundo disse...

Coisas que nos ficam na memória! E todos esperamos ser como eles foram para nós.

Bj Vagabundo

Pamina disse...

Gostei muito. Como já disse no outro dia, gosto do modo como ecreves estas pequenas histórias, especialmente dos finais que sabes sempre tornar ternos e emocionantes.
Um beijinho e boa semana.

Cristina disse...

Olá menina,
Que lindo texto cheio de sentimentos para a tua avó...parabéns
:)
tem uma óptima semana e um beijinhu

Fragmentos Betty Martins disse...

Que Lindo o teu texto.

E que bom ter uma avó para dar a mão e ir ver o mar.

Muito amor nas tuas palavras, uma doçura.

Beijinhos

soslayo disse...

Menina marota, infelizmente não tive outra alternativa senão apagar o meu soslayo. Se puderes passar pelo meu novo canto, é:http://mategoinmente.blogspot.com/. Beijinhos.

Anónimo disse...

Não tenho avós mas nessa tristeza não deixo de sorrir por saber que dedicatórias destas as dedico aos céus, onde estarão, decerto! Parabéns pelo carinho e amor demonstrados...Fizeste-me sorrir :-) Bjitos!!!!

Anónimo disse...

Quem me dera ter tb uma avó.....
Beijos

SilenceBox disse...

As tuas palavras brilham de Amor... Este lindo texto, em dedicação à tua avó, tocou-me imenso... Também me comoves!
Volto a visitar-te mais vezes...
Um abraço carinhoso :-)*

VdeAlmeida disse...

Terá ela lido, Menina? :-)Oxalá. Gosta-se sempre de se saber como se é amado, principalmente por aqueles a quem amamos
Beijinho grande. Um xi

lique disse...

Que belo, MM, e tão cheio de ternura e compreensão pela sabedoria qie a idade dá!
Beijinhos, amiga e boa semana

Anónimo disse...

vê-se mesmo muito bem que tens grande carinho pela tua avó, o texto está LINDO!
beijo

Anónimo disse...

Nem acredito.... o gelo da noite parece mais quente.......
Aki voltei na esperança de "meditar" e sorrir, mas sinto-me nostalgico.........
Tão bom este blog
Um abraço
Dante

deep disse...

" Dá-me a mão, Avó… vamos ver o mar…"...assim eu tenho a minha todos os dias....mesmo na ausencia dela....obrigado

Que Bem Cheira A Maresia disse...

Que saudades tão grandes de dizer, "da-me a mão avó"!

Quanta ternura neste texto e nesta homenagem, lindo , lindo!

Um beijo grande da Lina (mar revolto)

maresia_mar disse...

Só passei para deixar um beijo...

musalia disse...

texto muito belo. saudades que perduram em nós. de pessoas que nos marcaram para sempre, nos ajudaram a construir o que somos hoje.
beijinho :)

wind disse...

Bonito e emocionante texto, cheio de ternura. Bela homenagem à tua avó. beijos

Anónimo disse...

Lindissima homenagem à tua avó.
Beijo grande

Anónimo disse...

soberbo!

sou eu que agradeço a partilha ;)

beijinho

Caracolinha disse...

De lágrima no olho e absolutamente emocionada por tudo aquilo que a minha avó representou na minha vida, te deixo uma beijoca carregadinha de carinho ;)

Unknown disse...

Lindo, amiga!
Envelhecer é lindo! E envelhecer sabiamente, uma bênçao dos Céus!
Linda dedicaçao à tua avózinha!
Muitos beijos!

Anónimo disse...

Adorei o texto e quero aos 80 anos ter uma menina marota como tu na minha vida. Ternurento e gostoso de ler, senti-me levinha e emocionada com a dedicatória.
Beijo meu
Anne

Unknown disse...

Lindo minha querida, que bom que é sonhar que bom que é sentir aqueles que amamos ao nosso lado, faz-me feliz mesmo que em sonhos.
beijinhos amiga

Unknown disse...

Aqui está um texto que toca a quem lê e lança a mente num crescente de turbilhões. Tocou-me enquanto estava a ler e de certeza que mais tarde ainda me vou lembrar, nem que seja das minhas avós.

marinheiroaguadoce a navegar

Anónimo disse...

...bonito, sem dúvida :-)
Às Avós!

Beijito Grande de Saudades!

Anónimo disse...

....A Bé voltou a escrever.
Boa semana para ti.

gato_escaldado disse...

belo e sensível. bem teu. o texto.

beijos

Unknown disse...

Muito belo! Consegues transmitir uma ternura neste pequeno conto. Felizes dos que têm avós :) beijo

Dameuntango disse...

Há comentários que nos tocam de uma forma especial, mas a Menina, Marota como é toca-me com cada palavra...E, depois, venho aqui e encontro esta musica que me enche a alma e me leva a comentar antes mesmo de me sentar... Vou agora abrir os olhos e ler as "marotices", beber cada palavra...
Abraço

Blogexiste disse...

Único!
Não posso dizer nada porque já foi tudo dito... a não ser...
Obrigado por me deixar partilhar a beleza deste texto.

Mitsou disse...

Ficas triste, ou zangada, se eu não disser nada? Ou apenas uma palavra? Vou arriscar: Sublime!

Um beijinho muito terno, doce amiga de todas as horas :)

Elise disse...

que linda dedicatória! uma boa maneira de lembrar todas as avós!
abraço!

augustoM disse...

Bonito texto dedicado à avó e à velhice.
O aspecto físico pouco importa, as rugas e os cabelos brancos, são sinais de que a juventude do corpo acabou para dar lugar a outra coisa muito mais sublime a ternurenta memória, que passará a reger a sua vida.
Um beijo. Augusto

Viscondi disse...

Sei que sou só mais um a comentar seus escritos, mas eles são excelentes, profundos e tocantes, rasos e duros, gostei muito. Parabéns.

SilenceBox disse...

Querida menina_marota,
já percebi que a Poesia Portuguesa te pertence. Adorei o poema "os gumes das palavras" que deixaste nos comentários do meu blog! li e reli tantas vezes que vou guardá-la...
Um bom fim de semana para ti!
Um abraço cheio de carinho :-)*